Vale prevê mais 13 anos para eliminar barragens como Brumadinho

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O programa da Vale para eliminar todas as suas barragens construídas pelo método de alteamento a montante prevê a conclusão do processo até 2035. Há alguns meses, a mineradora firmou acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), concordando em pagar indenização de R$ 236 milhões por não cumprir os prazos definidos na Lei Estadual 23.291/2019, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais. O atual cronograma, apresentado à Agência Brasil nesta semana, indica que 40% das estruturas estarão eliminadas ainda este ano, mas, em alguns casos, os processos demandarão mais tempo.

O método de alteamento a montante era utilizado na barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG) em janeiro de 2019, causando 270 mortes e provocando devastação ambiental. Anos antes, em 2015, outro desastre similar já havia ocorrido. Dezenove pessoas morreram e dezenasde  municípios mineiros e capixabas ao longo da bacia do Rio Doce foram afetados pela lama, que escoou após a ruptura de uma barragem construída com a mesma tecnologia pela mineradora Samarco, que tem como acionistas a própria Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

Ao todo, o programa de descaracterização, criado em 2019 após a tragédia de Brumadinho, engloba 30 estruturas, das quais nove já foram eliminadas: seis localizadas em Minas Gerais e três no Pará. As 21 restantes estão todas em cidades mineiras, sendo que em três delas o processo deverá ser concluído ainda este ano. A Vale alega que cada estrutura é única e tem peculiaridades que devem ser levadas em conta. Por isso, em alguns casos, o processo exige mais tempo. No caso das barragens que se encontram em nível crítico, há um desafio adicional: trabalhar com equipamentos não tripulados, retirando trabalhadores da área de risco.

Segundo Frank Pereira, gerente executivo do Programa de Descaracterização da Vale, há um esforço inédito de desenvolvimento tecnológico. “É algo que aconteceu no passado com as barragens de geração de energia. O Brasil virou uma referência no mundo. Pode ter certeza que, após Brumadinho, também seremos referência em barragem de mineração. Isso vai acontecer por causa do escrutínio, do julgamento da engenharia, da criticidade que estamos colocando em cima disso. Não só a Vale, mas a indústria de mineração como um todo”, disse.

Agência Brasil visitou o Centro de Operações Remotas, em Belo Horizonte, e a barragem B3/B4 da Mina Mar Azul, em Nova Lima (MG), onde a tecnologia já está em uso. Trata-se de uma das três estruturas do país que se encontram no nível de emergência 3, que significa risco iminente de ruptura. Atualmente, apenas a Vale tem barragens nessa situação. As outras duas são a Sul Superior, em Barão de Cocais (MG), e a Forquilha III, em Ouro Preto (MG), onde os trabalhos de descaracterização também envolverão operações remotas. Segundo Frank Pereira, ainda falta concluir a ligação de fibra ótica entre o centro de operações e as duas estruturas.

Na barragem B3/B4, caminhões, escavadeiras e tratores são usados diariamente nos trabalhos de retirada dos rejeitos. Ele são guiados de forma remota pelos mesmos funcionários que operavam essas máquinas. Os trabalhadores participaram de treinamentos teóricos e práticos e, atualmente, movimentam ao todo 20 equipamentos. Segundo Marcel Pacheco, gerente responsável pela descaracterização da barragem B3/B4, um dos desafios é a perda de sensibilidade, já que no trabalho remoto o operador não sente as vibrações do veículo.

“Não há aquela percepção de que vai atolar. Quando ele percebe, já atolou. Então precisamos fazer diversas adaptações porque remover o veículo dá trabalho. Já criamos dispositivos para isso, para atrelar outro caminhão não tripulado ao que está atolado. Mas é uma operação complexa que pode estragar o equipamento. Então temos que ser mais conservadores. Para que eles não quebrem, a manutenção é constante. Eu não posso, por exemplo, correr o risco de um pneu furar. Esses pneus são preenchidos com um tipo de borracha que os deixam mais maciços. São melhorias que fomos fazendo a partir da experiência que acumulamos”, explica.

Os operadores usam joysticks e grandes monitores curvos. Um protótipo, simulando uma cabine de caminhão com volante, chegou a ser desenvolvido e testado, mas não foi bem avaliado. A ideia não está abandonada, e novos modelos serão produzidos. Atualmente, a Vale considera que as operações remotas alcançam 60% da produtividade das operações presenciais. A mineradora trabalha para chegar aos 100%, mas um dos desafios é o volume de transmissão de dados. Isso porque qualquer atraso de cinco segundos pode resultar na colisão entre caminhões e escavadeiras. Existe a expectativa de que as condições melhorem com a conclusão da implantação do 5G no Brasil.

Quando necessário, análises e sondagens do solo ou da estrutura também são realizados com equipamentos operados de forma remota. “Criamos estruturas para entrar com segurança quando é necessário. Por exemplo, recentemente um eletricista entrou para instalar uma bomba de água. Opera com cabos. Já usamos helicóptero”, diz Marcel.

A promessa da Vale é de que a tecnologia em desenvolvimento já é um prenúncio da mineração do futuro, mais segura. “É um trabalho pioneiro no mundo. E não servirá apenas para descaracterização de barragens. Poderemos usar essa tecnologia para outras atividades da mineração, afastando diversos riscos”, acrescenta.

A conclusão da descaracterização da barragem B3/B4 está prevista para 2025. Segundo a mineradora, a estimativa leva em conta o tempo necessário para o desenvolvimento de nova tecnologia. Frank Pereira admite que o maior investimento em inovação e o aumento de sondagens e análises são consequências da tragédia de Brumadinho. “A indústria da mineração teve que ser mais criteriosa. Também passou a ser mais fiscalizada”, afirmou.

AGENCIA BRASIL

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