Oração do Pai Nosso vira polêmica em Barra Mansa

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Tem uma máxima que diz: política, esporte e religião não se discutem. Pois bem, quem já não discutiu com alguém por causa dos temas acima? Como ninguém é igual – física ou intelectualmente, divergências acontecem quando esses ou outros assuntos são tratados. Mas viva a liberdade de expressão que nos permite falar sobre qualquer assunto. Porém, quando isso ultrapassa o círculo de amizade, de relacionamento interpessoal e vira questão judicial? Foi isso que aconteceu com a determinação da Secretaria de Educação ao, através de uma Ordem de Serviço, determinar a entoação de hinos e, posteriormente, a Oração do Pai Nosso nas escolas municipais. O caso parou na justiça e a oração foi proibida de acontecer. Ainda cabe recurso. Os hinos (Nacional, à Barra Mansa, à Independência, à Bandeira, da Proclamação da República) continuam acontecendo, mas a oração não.
Hoje, o A VOZ DA CIDADE traz a posição de pessoas das mais diversas religiões sobre a Oração do Pai Nosso nas escolas. Existem em média no Brasil aproximadamente 25 religiões ou crenças. E muitas delas, como o Budismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, por exemplo, não seguem o cristianismo, portanto, não aceitam essa oração. Além disso, têm os que se denominam ateus, que não acreditam em Deus. As opiniões dos próprios religiosos que acreditam em Jesus são divergentes, claro, mas a maioria acredita não fazer mal a oração, desde que ela não seja imposta e signifique segregação de quem não participa. É preciso ainda deixar claro que a opinião de cada religioso sobre o assunto não é uma posição oficial da religião que representa, mas sim, pessoal, de acordo com seu conhecimento ou experiência religiosa.
O bispo da Diocese de Barra do Piraí-Volta Redonda, Dom Francisco Biasin, líder da Igreja Católica no Sul Fluminense, foi um dos ouvidos. Ele disse que seu pensamento é pessoal. Para ele, a oração pública deve respeitar a sensibilidade da comunidade a qual se dirige, sem ser uma imposição para que ninguém se sinta discriminado.
Ele ainda falou que o Brasil é considerado um Estado Laico, ou seja, tem uma posição neutra no campo religioso, porém não é um estado ateu e cada igreja ou religião que tem o direito de expressão pública da fé, respeitando o pluralismo religioso. “Religião significa religar, se unir a Deus e entre as pessoas. E se uma proposta religiosa cria divisão, ela em si mesma já se contradiz. Os ânimos não devem ser acirrados e se isso acontece deve ser recuada, favorecendo o diálogo entre as partes”, destacou, frisando que se a oração do Pai Nosso tivesse sido aceita por toda a comunidade que bom seria, mas como gerou essa divisão precisa ser revista.

E se uma proposta religiosa cria divisão, ela em si mesma já se contradiz. Os ânimos não devem ser acirrados e se isso acontece deve ser recuada, favorecendo o diálogo entre as partes
(Dom Francisco Biasin)

O pastor evangélico Flavio José Ferreira, da Igreja Metodista do bairro Ano Bom, se declarou favorável a oração do Pai Nosso nas escolas desde que não seja por imposição. “Afinal, uma oração faz bem a qualquer pessoa. Entendo que não é dever da escola ensinar a criança orar, pois isso deveria vir dos pais, mas nada impede que ela possa fazer uso de alguns recursos que contribuam na formação moral e ética de nossas crianças, adolescentes e jovens. Não se trata de promover esta ou aquela religião”, mencionou.

Entendo que não é dever da escola ensinar a criança orar, pois isso deveria vir dos pais, mas nada impede que ela possa fazer uso de alguns recursos que contribuam na formação moral e ética de nossas crianças, adolescentes e jovens
(Pastor Flávio José Ferreira)

Segundo ele, existe no Brasil a Lei 9.394, artigo 33, que diz entre outras coisas que ‘o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental’. “Se tem uma Lei que autoriza o ensino religioso, por que não orar o Pai Nosso? Sendo esta apenas uma parte de nossa espiritualidade que apesar de ser subjetiva, produz uma reflexão melhor sobre a vida. O certo era não ter lei para isso, mas ser voluntário”, destaca.
SEM REGRAS
O espiritualista Claudio Campanate disse que o Pai Nosso é uma excelente oração, com um poder muito forte, elevando os pensamentos para a Deus, para o bem. “O único problema de tudo é quando começa a colocar regras, a causar separação. Seria muito bom porque está faltando religiosidade, essa espiritualidade nas pessoas. Sem uma conotação religiosa seria muito bom, fazendo muito bem para as crianças e adolescentes, melhorando o ambiente. A oração não tem contraindicação alguma”, destacou.

O único problema de tudo é quando começa a colocar regras, a causar separação
Espiritualista

(Claudio Campanate)

O mesmo pensa Darlei Luiz da Costa, da religião do Candomblé. Conhecido como Quinanzuregi de Xangô, declara que faz a oração toda vez que inicia e termina uma sessão. “Acho ótimo, excelente, nunca é demais, mas o problema também é a questão cultural. As religiões do Brasil fazem essa oração e todos precisam respeitar. O termo de autorização ou não significa o direito de ir e vir de todo ser humano”, lembrou.
Marco Túlio Ribeiro é conhecido como Pai Túlio do Templo da Luz Divina de Volta Redonda, representando a religião Umbanda. Ele considera o Pai Nosso como uma oração universal, mas não parece adequada a obrigatoriedade. “Separar daria uma conotação estranha. A religião deve ser pertinente aos núcleos familiares. A escola ensina. É melhor cada família orientar seus filhos nos seus entendimentos, claro que com cidadão, cada um fará sua escolha no futuro, mas talvez esse momento de ser aparteado será traumático e pode afastar da religião”, falou.
ESTADO LAICO
O fato de o estado ser laico foi falado pelo ateu Alexandre Amaral. Ele considera a oração do Pai Nosso nas escolas uma exposição desnecessária. Completou dizendo que não existe apenas a religião cristã no Brasil e as demais não podem ser feridas com essa ação que vai separar um budista, por exemplo, de seus amigos por esse momento. Pai de uma criança de 05 anos, diz que se tivesse que assinar um documento proibindo sua filha de participar ficaria numa situação complicada. E o contrário também. “O estado não pode se envolver nisso. Os pais educam, a escola ensina. A religião é função dos pais. E separar para as salas de aula é uma exclusão, está segregando. O hino não sou contra, mas algo religioso não deve ser feito. Como pai de uma criança pequena como vou dizer que ela não vai fazer a oração sendo que ela nem decidiu seu próprio caminho? Não posso impor e porque o estado vai fazer?”, questionou.
ENTENDA O CASO
No último dia 2, o secretário de Educação, Vantoil de Souza Júnior emitiu a Ordem de Serviço 008/2017, determinando que todas as unidades escolares da rede pública municipal, antes da condução dos alunos para as salas de aula, os coloquem em fila indiana, para entoação de hinos. E após, a Oração do Pai Nosso, considerada na Ordem de Serviço, como universal e aceita na maioria das manifestações religiosas. Os que não desejarem fazer a oração deveriam declarar, por escrito, através dos responsáveis. Além disso, em outro parágrafo, determina que os que não participarem seriam colocados em fila apartada (isolada) e, após o hino, seriam encaminhados para sala de aula. Outra Ordem de Serviço vinculada nas redes sociais, esta assinada pelo secretário, diz no mesmo parágrafo, o segundo, que os alunos que apresentaram declaração, após o hino, seguirão para as respectivas salas de aula, tirando do texto essa questão da fila apartada.
Na última segunda-feira, o juiz Antônio Augusto Gonçalves Balieiro Diniz, titular da 4ª Vara Cível, emitiu uma decisão para que a prefeitura se abstenha de promover a entoação da Oração do Pai Nosso nas escolas municipais. O autor da ação civil pública foi o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe), do município. O motivo seria por conta da laicidade do estado, o que torna ilegal a obrigatoriedade de orar o Pai Nosso nas escolas.
Até na terça-feira a prefeitura ainda não tinha sido notificada. O juiz determinou multa diária de R$ 10 mil, por descumprimento da medida. A prefeitura iria recorrer.

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