MPF recebe mais de 500 propostas e cobra medidas concretas de reparação da escravidão

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RIO DE JANEIRO

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), recebeu mais de 500 propostas sobre formas de reparação histórica por parte do Banco do Brasil pelo envolvimento no tráfico de pessoas negras escravizadas. As sugestões foram enviadas em resposta à consulta pública realizada entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano, no âmbito de inquérito civil que apura a participação do banco no processo escravagista, durante o período colonial.
Ao todo, 37 entidades nacionais e regionais e 34 pessoas apresentaram sugestões, que foram remetidas à instituição financeira no intuito de fundamentar a apresentação de um plano estruturado de reparação. Ao longo de dois meses de consulta, foram recebidas propostas de reparação de todas as partes do país, resultando em um quadro heterogêneo e plural de contribuições.

Participaram entidades nacionais do movimento negro e quilombola, grupos culturais e religiosos, entidades sindicais, instituições universitárias e cidadãos comuns, que se dispuseram a escrever suas propostas e sugestões.

Entre as contribuições, que podem ser consultadas em sua totalidade no inquérito civil que tramita no MPF, destaca-se a criação de um fundo nacional de reparação da escravidão, o pagamento de indenizações, a constituição de linhas de crédito exclusivas para financiamento da atividade econômica da população negra e em territórios quilombolas, a demarcação de terras quilombolas, investimento em estruturas educacionais e aporte de recursos em iniciativas educacionais e de memória da cultura negra e da escravidão, além de programas de desenvolvimento técnico e profissional para trabalhadores negros.
Para os procuradores regionais dos direitos do cidadão Jaime Mitropoulos, Julio Araujo e Aline Caixeta, que conduzem o inquérito, as propostas oferecem ao Banco do Brasil os rumos necessários para ir além do pedido de desculpas e estabelecer uma nova relação com a sociedade brasileira, sobretudo com a população negra, por meio de medidas que sejam estruturais, permanentes e eficazes. “Chegamos, pois, a uma nova etapa, marcada pela construção participativa e consolidação de formas de reparação, somadas à sinalização do Banco do Brasil e do Poder Executivo Federal em favor da efetivação de um plano de ação para a adoção dessas medidas”, afirmam.

Em dezembro do ano passado, o banco e o governo federal informaram a construção de um plano de ação para discutir a reparação. Todas as propostas apresentadas na consulta serão encaminhadas para análise e discussão. “Já não se trata mais de avançar em programas específicos ou focais, e sim de repensar a própria forma como o banco encara os temas e acelera a sua transformação em prol de uma agenda de reparação de sua própria história”, destacam os procuradores.
O documento elenca ainda diversos argumentos favoráveis à reparação, inclusive legais. A PRDC destaca a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, além das diretrizes constitucionais sobre a matéria.

RECONHECIMENTO 

No curso do inquérito civil, o Banco do Brasil reconheceu sua dívida histórica, por meio de um pedido de perdão às pessoas negras do país feito em novembro de 2023. A instituição se comprometeu, ainda, a participar da construção de um plano de ação coordenado pelos Ministérios da Igualdade Racial e de Direitos Humanos e Cidadania, com vistas a potencializar, acelerar e ampliar iniciativas e políticas públicas para a produção de resultados concretos em prol da igualdade étnico-racial.
Para o MPF, apesar de importante, o pedido de desculpas não é suficiente, devendo ser seguido de um plano estruturado e duradouro de reparação. O órgão defende que sejam destinados recursos de forma permanente a iniciativas que atendam à reparação histórica. O Banco do Brasil e os ministérios do Executivo que ingressaram no processo foram requeridos a se manifestar sobre as propostas apresentadas na consulta pública dentro do prazo de 30 dias, fazendo a indicação dos recursos a serem aplicados em plano de ação e das medidas que serão adotadas para sua implementação. Para a instituição financeira foram solicitadas, ainda, respostas a algumas demandas ministeriais que restaram pendentes.
O MPF quer saber se houve o aprofundamento das pesquisas relacionando as atividades do banco com a cadeia de negócios do tráfico e da escravidão, se houve comunicação ao grande público das intenções reparadoras da instituição, por meio de sites, exposições e plataformas de pesquisa, e sobre o andamento de medidas previamente pactuadas para a inclusão de profissionais negros no quadro do banco, com recrutamento, capacitação e estabelecimento de mecanismos transparentes nos processos de seleção interna para altos postos de trabalho.

O pedido de reparação

O inquérito civil em questão foi instaurado após manifestação apresentada por um grupo de 14 professores e universitários indicando a participação do Banco do Brasil no tráfico de pessoas negras escravizadas. Os historiadores apuraram que, no caso do BB, havia relação de “mão dupla” da instituição financeira com a economia escravista da época, que se revelava no quadro de sócios e na diretoria do banco, formados em boa parte por pessoas ligadas ao comércio clandestino de africanos e à escravidão.
O inquérito tem o objetivo de promover a reflexão sobre o tema para garantir que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam. A medida também busca garantir mecanismos de reparação com um olhar voltado para o presente e o futuro, em uma discussão sobre memória, verdade e justiça. (*Com informações do MPF).

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