Lei Maria da Penha completa 15 anos, mas dados ainda são alarmantes

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SUL FLUMINENSE

A Lei Maria da Penha completa neste sábado, dia 7, 15 anos. Entretanto, a luta contra a violência contra a mulher ainda é grande. Segundo levantamento divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) esta semana, no primeiro ano de pandemia (do dia 13 de março a 31 de dezembro de 2020) foram registrados sob a Lei Maria da Penha 45.477 crimes, ou seja, mais de 250 mulheres foram vítimas de violência por dia. Para falar sobre o tema, o A VOZ DA CIDADE tráz três entrevistas relacionadas ao assunto. Uma das entrevistadas foi vítima dessa realidade: “Hoje vejo que o que eu estava vivendo não era normal”. A outra, uma especialista da área que fala sobre a evolução da lei: “Tem que denunciar!”. E a terceira, é gestora de um projeto que busca ajudar essas mulheres: “Vocês não estão sozinhas!”.

A legislação, lembrada até hoje por ser um marco na luta feminina, estabelece que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime; deve ser apurado através de inquérito policial; e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação, ou, nas cidades em que ainda não existam, nas Varas Criminais.

A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. A Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, passou a ser chamada Lei Maria da Penha em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.

NÃO É NORMAL

Nossa equipe conversou com uma jovem, moradora de Barra Mansa, que tem 23 anos, e que prefere não se identificar. Ela viveu por quase dois anos em um relacionamento abusivo e detalhou como as coisas foram piorando com o passar do tempo. Ela namorou com o agressor por um tempo e tudo corria bem, quando resolveram morar juntos. Nessa ocasião, as coisas começaram a mudar. “No dia a dia, foram começando a ocorrer algumas coisas que até então eu não percebia que era terror psicológico. Ele começou a criticar as coisas que eu fazia dentro de casa, sempre reclamando que eu não fazia direito, e depois, começou a controlar os meus banhos e até o momento que eu ia secar meu cabelo”, disse a moça. “Até que um dia, ele durante uma briga pegou uma garrafa de água que estava começando a congelar na geladeira e tacou em mim”, lembrou.

Segundo a vítima, sempre depois de uma briga, os dois se acertavam. Ele começava a tratar de forma carinhosa e os episódios eram esquecidos. Mas sempre que havia oportunidade, o homem voltava a ser agressivo. Ele passou a dar socos nela, ainda dentro de casa, mas depois, o fato que era isolado começou a ser presenciado por outras pessoas. “Uma vez, ele socou várias vezes a minha cabeça na porta do carro e minhas amigas viram. Outra vez, em uma festa de família de conhecidos nossos, ele me deu um soco no rosto porque estava reclamando da minha roupa. Ele foi expulso da casa e me lembro com dor até hoje que também fui convidada a me retirar. Ao invés de me acolherem, me disseram que lá eles não permitiam aquele tipo de situação e que se eu permitia, não era bem vinda”.

Ainda de acordo com a jovem, nesse dia ela chegou a procurar ajuda da polícia em um posto próximo, mas agiram com ironia quanto a situação. “Eu não cheguei a denunciar ele, mas foi preciso reunir as nossas famílias e expor o que estava acontecendo. Depois de muito custo, nos separamos. Mas ele ainda tentou se aproximar, dizendo que estava mudando. Mas não era verdade. Hoje, já estou em outra relação. Faço coisas simples que antes era impedida, como tomar banho, e consigo ver que aquilo que eu estava vivendo não era normal”, concluiu a jovem.

INOVAÇÃO NA LEI

Nossa próxima entrevistada é a delegada Carla Ferrão, que já atuou como titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Angra dos Reis e hoje atua na divisão de homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Para a policial, a Lei Maria da Penha com o passar dos anos vem passando por uma inovação de valor inestimável para as mulheres, como por exemplo os crimes que antes eram considerado de menor potencial ofensivo, como os que não eram por prisão em flagrante. “Com o passar do tempo, lesão corporal, injúria, ameaça, passaram a não ser mais tratados no âmbito da Lei 9.099, quando o agressor assinava o termo e era liberado. Agora é preso em flagrante”, explica Ferrão, lembrando que as medidas protetivas são expedidas em caráter de urgência. “Então se o autor descumprir qualquer medida protetiva, ele está cometendo um novo crime”, completou.

Carla reforça a importância em denunciar, seja na Deam ou pelo Disk 100. “Esses crimes não mudam. O agressor não muda. Ele agride a mulher, depois fica bem com ela, mas os episódios retomam até, como em muitos casos, terminar em feminicídio”, finaliza Carla Ferrão.

PROJETO JUSTICEIRAS

O Brasil já foi considerado em 2015 o quinto país do mundo com maior número de feminicídios e, atualmente, autoridades já perceberam um aumento do número de denúncias de violência contra a mulher por conta das práticas de isolamento domiciliar relacionadas à prevenção da transmissão do citado vírus. De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, houve um aumento de quase 9% de ligações para o canal que recebe esse tipo de denúncia, o número de denúncias saltou de 829, de 01 de março a 16 de março, para 978, do dia 17 ao dia 25, primeiro período que o isolamento social se iniciou no Brasil.

O A VOZ DA CIDADE conversou com Ana Julia Daer, que trabalha na gestão do Projeto Justiceiras, implantado em março de 2020 durante a pandemia. “Sou de Barra Mansa e sou da equipe de encaminhamento e gestão do projeto, que foi idealizado que foi idealizado pela Promotora de Justiça Gabriela Manssur, pela advogada Anne Williams e pelo empresário João Santos”, disse Ana Julia, completando: “O projeto é todo on line e oferecemos a vítima atendimento jurídico, socioassistencial, psicológico e uma rede de apoio, que é uma amiga da vítima. E quando o caso é mais grave, de violência física, a gente oferece ajuda médica”, explicou a orientadora.

Ana Julia explica que o projeto funciona no Brasil inteiro e inteiramente virtual, com lideres em quase todos os Estados. Também atua no exterior, em 19 países. “Hoje temos quase oito mil voluntárias escritas nessas áreas e já fomos recorridos por mais de sete mil vítimas”, informou.

O “Justiceiras” possibilitará uma orientação para que mulheres em situação de violência realizem quando desejarem, o boletim de ocorrência on-line ou presencial, ou façam o pedido de medidas protetivas. De outro modo, será uma rede de mulheres unidas para informar e, antes mais nada, apoiar, fortalecer e encorajar as meninas e mulheres que estão em situação de violência doméstica. Esse período despertou em muitas pessoas a vontade de ajudar, um sentimento de generosidade e solidariedade com o próximo. Caminhando nessa esteira, o projeto reuniu essas mulheres que acreditam que sim, existe vida após a violência e formaram um grande exército de voluntárias  “Justiceiras”: a primeira rede interdisciplinar on-line no Brasil.

Quem quiser saber mais sobre o projeto ou estiver precisando de ajuda, o link do site é https://justiceiras.org.br/ ou ligar para o número (11) 99639-1212.

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