Como o hiperfoco pode contribuir para o desenvolvimento de uma criança com autismo

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VOLTA REDONDA/BARRA MANSA

Sabe o que é hiperfoco no Transtorno do Espectro Autista (TEA)? Muitas crianças diagnosticadas têm interesses intensos e altamente focados, geralmente desde idade bastante jovem. Isso é o hiperfoco. Ele pode mudar com o tempo ou durar toda a vida e pode ser voltado para arte, animais, códigos postais, números, jardinagem, outros. Seja em casa ou na escola, fazer essa identificação é oferecer evolução para um autista. Henrique Carvalho tem 16 anos é um autista nível 1 de suporte (TEA nível 1). Aos nove anos, após ser identificado um pouco que tardiamente com autismo, teve seu hiperfoco percebido: o prazer em desenhar. E foi através disso que a leitura foi desenvolvida, as Habilidades Sociais ensinadas e já direciona até mesmo sua carreira no futuro: voltada para arte.

O adolescente é paciente da neuropsicóloga Marcele Campos, responsável pela identificação do quadro de desenvolvimento de Henrique. Ela contou que a parceria entre família, profissionais e escola, foi fundamental para aproveitar essa habilidade de Henrique para seu desenvolvimento. “Com mãe é arteterapeuta, tendo recebido estímulo desde muito novo, encontramos na arte essa forma dele expressar o que estava sentindo”, disse.

E essa expressão começou com Henrique criando seus personagens autorais, o que rendeu Histórias em Quadrinhos (HQs). “Criei várias versões minhas com poderes superforça, teletransporte, multiplicação, fogo. Esse de teletransporte foi porque era sobre conversar com as pessoas, que na época era difícil para mim. Eu era antissocial”, lembrou, frisando que, se depender dele, isso agora não é mais uma realidade, pois aprendeu a se relacionar.

Com os desenhos, Henrique viveu uma fase de ser popular na escola, pois fazia para os amigos, além de também poder apresentar os seus trabalhos na escola usando essa forma de expressão. “Me ajudou a me comunicar com as pessoas e a interagir com elas”, lembra o adolescente que depois criou uma animação Stop Motion, Tirania. Antes disso produziu uma história como lembrança de seu aniversário de 12 anos.

Para a neuropsicóloga, é importante aproveitar esse hiperfoco para o desenvolvimento da criança. “Se o hiperfoco não for trabalhado pode virar um problema de fato, mas quando é direcionado de forma prática e acordada em equipe conseguimos aproveitar isso em diversos ambientes. E foi o que aconteceu. Henrique se desenvolveu, na escrita, na fala, na leitura e na socialização”, lembra.

Questionado sobre seu sonho, Henrique disse que está na fase de planejar sua vida. “Penso em terminar o Ensino Médio e fazer faculdade de Arte e depois trabalhar com fotografia, fazer um dinheiro para conseguir publicar minhas HQs. Meu maior sonho é ser um artista”, contou.

ALGUNS DESAFIOS

Mesmo já sabendo como ter relações interpessoais, uma dificuldade de quem tem TEA, hoje Henrique ainda encontra certo desafio na contrapartida dos amigos. Isso pode ser acentuado devido a pandemia de Covid-19. Marcele Campos lembra que muitos jovens retornaram ao social, depois da pandemia com muita insegurança, ansiedade e dificuldades nas habilidades sociais. Chama atenção para um problema percebido na sociedade. Demonstrar interesse pelo outro, escutar, é o início de uma conversa e da construção de uma amizade. “Sinto que as pessoas estão mais fechadas. Eu até conseguia construir amizade antes, mas sinto não ter conexão. Meu desafio hoje é saber se um dia vou ter uma interação normal. O que mais quero é ser aceito, deixar de lado esse lance de ser o excluído, que ninguém chama”, diz o jovem.

Sobre o relato de Henrique, Marcele Campos disse que são desafios encontrados no pós-pandemia. “Crianças e adolescentes estão com dificuldades hoje nas habilidades sociais. Precisamos discutir isso em casa e nas escolas de maneira urgente. É um alerta para nossas crianças e jovens fazerem amizades, terem contato com outras pessoas. Sempre falamos dessa dificuldade de pessoas dentro do espectro, mas começamos a perceber isso também nas outras pessoas. A tecnologia é boa, mas contribui para este cenário”, finaliza a neuropsicóloga.

NOTA DA REDAÇÃO

A entrevista de Henrique foi autorizada pela família.

 

 

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