ARLINDO NOVAIS
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SUL FLUMINENSE
A frase: “Uma mentira contada muitas vezes se torna verdade”, atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista durante o governo de Adolf Hitler, entre 1933 e 1945, pode explicar um pouco o momento em que vivemos. O detalhe é que as formas como essas mentiras são multiplicadas mudaram em relação às décadas de 30 e 40. Hoje, com o advento das redes sociais, é mais fácil com que falsas notícias se proliferem e ganhem contornos de verdade, se tornando uma perigosa ferramenta de manipulação.
Um fato que foi bastante utilizado pelas fake news foi a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março quando saía de um evento no Rio de Janeiro. Além dela, o motorista da parlamentar, Anderson Gomes, também morreu no atentado. O caso provocou intensa comoção popular com manifestações e homenagens, mas também atiçou as más intenções. Uma pesquisa realizada por cientistas do Instituto de Tecnologia de Masachussetts, nos Estados Unidos, as fake news têm 70% mais chances de viralizar do que uma notícia real.
VIVENDO EM UMA BOLHA
De acordo com o sociólogo e antropólogo Gilberto Caldas, a explicação para que essas inverdades ainda sejam repercutidas, mesmo com tanta informação, está na formação da sociedade. Ele lembrou que as redes sociais contribuíram para que as pessoas pudessem ficar isoladas em suas “bolhas de interesse” e isso acabou alimentando mentiras. “As músicas podem ser outras, mas as notas são sempre as mesmas. E é assim também com a sociedade. Hoje as pessoas têm uma necessidade de criar conteúdo, elas precisam se sentir importantes. E a rede social unificou o mundo, mas também segregou. As pessoas hoje ficam restritas pelo interesse pessoal. Eu me associo somente às pessoas com ideias iguais as minhas e tenho aversão ao contrário, impossibilitando que eu mude de opinião. Por isso é importante ouvir, ler, procurar entender para não viver nessa bolha”, disse Caldas.
É preciso se questionar, saber a fonte daquela informação, porque não se faz um novo mundo com respostas, se faz com perguntas – Gilberto Caldas, sociólogo e antropólogo
O especialista destacou que as fake news se valem de uma leitura equivocada e a produção dessas informações falsas, na maioria das vezes, tem cunho malicioso. “A rede mundial de computadores possibilita isso. Então é preciso se questionar, saber a fonte daquela informação, porque não se faz um novo mundo com respostas, se faz com perguntas”, concluiu.
MAIS VULNERÁVEIS ÀS FAKE NEWS
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 116 milhões de brasileiros têm acesso à internet, o que corresponde a 64,7% da população. Já um indicador de alfabetismo estima que 27% dos brasileiros conseguem ler, mas não interpretar o que foi lido, são os chamados “analfabetos funcionais”. Esses dois dados podem ter relação, como explicou o professor Ivan Paganotti, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Ele destacou que pessoas com menor índice escolar estão mais propensas a acreditarem em notícias falsas. “Os sites que propagam esse tipo de informação falsa levam em consideração que a maior parte da população não tem essa capacidade de interpretação. Infelizmente nós temos uma educação básica que é bastante problemática. Muitas pessoas não chegam até o ensino médio, então têm sua capacidade de compreensão bastante comprometida. É o que chamamos de baixa literacidade, ou seja, a capacidade de ler e entender, interpretar e relacionar essas informações. Às vezes o indivíduo não percebe quando o texto é irônico, ou quando se trata de uma paródia, piada ou sátira que se vale do exagero em algum quesito para criticar a nossa realidade”, apontou, enfatizando que mesmo pessoas com maior nível de escolaridade, formadas, e até mesmo com educação voltada para o setor de comunicação, podem também ser enganadas e propagar esse tipo de conteúdo.
Paganotti ressaltou que as fake news ganharam muita atenção nos últimos tempos porque foram relacionadas a grandes fenômenos políticos e disse que a preocupação com a disseminação delas é legítima. “Essas notícias falsas foram relacionadas a fenômenos de grande envergadura; tanto a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos em 2016; o fenômeno do Brexit, com a saída do Reino Unido da União Europeia, também em 2016; e no mesmo ano, o referendo na Colômbia que rejeitou o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Todos esses acontecimentos de grandes impactos globais e que tiveram durante a sua discussão prévia, semanas anteriores a essas votações, um fluxo muito grande de notícias comprovadamente falsas que acabaram viralizando nas redes sociais. Não podemos ter certeza se essas informações incorretas causaram esses fenômenos ou influenciaram porque há muitos fatores que envolvem um voto, mas há uma preocupação legítima de que elas tenham impactado alguns desses eleitores ou a maior parte deles; ou até mesmo do debate público. Por isso é preciso que debatamos esse tema”, comentou.
SITES FEITOS PARA FAKE NEWS
O especialista frisou que a grande parte dos veículos que propagam essas notícias falsas está na internet e são feitos estritamente para publicar informações inverídicas com interesses políticos e econômicos. Segundo Paganotti, eles fazem uso desse artifício para enganar o público. “A grande maioria acontece por questões políticas ou econômicas. Também existem aqueles chamados de troll, que são pessoas que propagam um boato só por propagar, para criar confusão; e tem algumas que querem causar dano à reputação de determinada pessoa por algum interesse ou vingança. No entanto, a predominância é mesmo política e econômica. A primeira ocorre quando é preciso fortalecer ou enfraquecer determinado candidato, influenciar uma campanha ou destruir a reputação do indivíduo, fazendo com que as pessoas acreditem que uma proposta seja vantajosa, desvantajosa, só que usando o artifício de mentiras para sustentar esses argumentos. Existem também aquelas fake news que são simplesmente feitas para gerarem lucro, fazer essas pessoas ganharem dinheiro. Por exemplo, quando você clica em determinada notícia traz uma recompensa ao produtor do conteúdo. Às vezes também nós temos a mistura desses dois modelos; porque existem sites que têm finalidades políticas e também financiam a militância, ganham dinheiro com isso, ou sites que ganham dinheiro e também tem alguma afiliação ideológica e exploram particularmente alguns temas”, revelou Paganotti.
Questionado sobre como atuar no combate às fake news, Paganotti destacou a valorização ao jornalismo profissional, a melhoria da educação no país e as campanhas feitas nas escolas e ações que englobem plataformas, que como ele mesmo afirmou foram “sequestradas” pela indústria do fake news, como é o caso do Facebook e Twitter, por exemplo, que já têm adotado medidas para combaterem essas notícias fraudulentas.
Para finalizar, o professor destacou que é preciso que as pessoas tenham cautela na absorção e disseminação de conteúdo, assim como leis que possam ferir o direito de liberdade de expressão. “Na Malásia, por exemplo, pessoas estão sendo presas por terem compartilhado o que seria um conteúdo falso. Isso afeta a liberdade de expressão. Então é um assunto muito complexo e problemático e que deve ser tratado com cautela”.
FAKE NEWS É CRIME, DIZ DELEGADO
De janeiro a março deste ano, as fake news foram acessadas quase três milhões de vezes no Brasil, segundo o Relatório da Segurança Digital no Brasil do DFNDR LAB – laboratório especializado em segurança digital. Isso gera prejuízos enormes à população ou danos à imagem de uma pessoa, por exemplo.
A lei pune quem divulga essa notícia falsa, ou seja, não é apenas quem cria, mas também a quem compartilha e dá a ela publicidade – Delegado Antônio Furtado
O jornal A VOZ DA CIDADE conversou com o delegado adjunto da 90ª Delegacia de Polícia de Barra Mansa, Antônio Furtado, para saber como a Justiça vê as notícias falsas. Furtado esclareceu que quem cria e compartilha fake news está praticando um crime. “Quem cria fake news é criminoso quando denigre o bom nome de alguém e pratica crimes contra a honra. Podendo chegar a até três anos de prisão, como é o caso de notícias falsas que tratem também de injúria por preconceito. Vale lembrar que a lei pune quem divulga essa notícia falsa, ou seja, não é apenas quem cria, mas também a quem compartilha e dá a ela publicidade”, frisou o delegado informando que a punição é a mesma tanto para quem cria quanto para quem só divulga.
“Então é vital que o internauta analise antes se as notícias são verdadeiras ou não, e só compartilhe aquilo que ele tenha certeza que seja correto”, completou Furtado.
O delegado lamentou a previsão de que nas próximas eleições as pessoas sejam tomadas por uma enxurrada de notícias falsas e fez um alerta. “Há vários candidatos sem escrúpulos que querem esconder a verdade sobre si, inventando mentiras sobre outros. O eleitor deve estar atento a isto, assim como a Justiça Eleitoral e a Polícia estarão. A Justiça está se preparando, contratando e criando programas especiais que possam detectar essas fake news e punir os responsáveis. É um tema de bastante importância e que está sendo discutido no mundo inteiro. Por esse motivo, tenho uma série que se chama ‘Na mira do delegado’, onde dou dicas para o cidadão para combater o crime. São vídeos rápidos e o primeiro episódio foi justamente sobre fake news, onde houve mais de oito mil visualizações”, disse Furtando, convidando a quem quiser assistir ao episódio a entrar no site: www.delegadoantoniofurtado.com.br.
Para encerrar, o delegado opinou dizendo que as penas para a criação e disseminação de fake news são ainda baixas e disse que era preciso que houvesse mais rigor. “Falta uma legislação específica que puna com rigor essas notícias falsas. Na minha opinião, a pena deve ser proporcional ao número de acessos à notícia falsa e aos danos que ela provocar. Não se pode admitir que um país inteiro seja refém de mentiras”, concluiu.