Em razão do enfrentamento à pandemia, acredito que o cancelamento do carnaval de rua e dos desfiles foi uma decisão acertada. Por uma questão sanitária, neste momento, ainda não há espaço para festas que reúnam e movimentam milhares de pessoas. Isso vale para o carnaval e para qualquer outro evento, em minha opinião. No entanto, o que percebemos foram novos formatos de carnaval, uma espécie de privatização, de mudança de escopo.
O que tradicionalmente acontecia nas ruas foi transferido para os ambientes fechados. E para quem teve dinheiro para pagar, não faltaram opções de entretenimento com artistas famosos, blocos de renome, shows e bailes. Aquela máxima de “pagando bem, que mal tem”, infelizmente, nunca foi tão adotada. O interesse econômico ocupou a lacuna deixada pelo vírus, se fortaleceu e novamente mostrou que, para alguns, nem sempre a vida vale mais.
Exceto por conta da pandemia e da necessidade de adotarmos medidas de cuidado, não podemos esquecer que a rua é palco de diversas manifestações culturais, é um ponto de encontro, de construção de uma população participativa. Ao se promover eventos de carnaval pagos, criamos um cenário de desigualdade, próprio do que é privado, daquilo que segrega, que ergue muros ainda mais altos entre classes sociais já divididas. A concepção de espaço público deve ser preenchida não só por carros e pessoas apressadas, mas por ideias, debates e discussões que permitam o desenvolvimento amplo de uma sociedade. O avesso disso é o esvaziamento da cultura do nosso povo. E contra essa dinâmica, devemos lutar. Afinal, é através dessas expressões que construímos nossa identidade.
O carnaval é um evento histórico, repleto de significado, um momento de resistência, onde o povo tem a oportunidade de falar sobre as suas lutas. Não é só máscara e fantasia, também é contestação. Contrariar as tentativas de subverter nossa cultura, em seu formato democrático e público, é uma pauta coletiva, uma bandeira de todos nós brasileiros. Que o carnaval de todos, superada a Covid-19, esteja de novo conosco ano que vem, como uma festa popular, onde o dinheiro não fale mais alto que a melodia dos sambas e das marchinhas.