SUL FLUMINENSE/ESTADO
Temos que gritar”. Essa frase é do presidente da Associação dos Processadores de Aço do Estado do Rio de Janeiro (Aproaço), Haroldo Filho, ao trazer à tona um assunto que, segundo ele, pode causar um colapso não apenas no setor do aço, com demissões e aumento dos preços, mas também em diversas outras áreas.
O ponto é que, entre o final deste mês e o início do próximo, vence um acordo firmado entre o Brasil e a China sobre antidumping, com o objetivo de frear a escalada do aço importado na indústria brasileira. O receio é que o acordo não seja renovado. A preocupação do setor já chegou ao governo federal e também a deputados federais e senadores, mas a demora no posicionamento tem gerado preocupações.
Segundo Haroldo Filho, a indústria de processamento de aço do Estado está em alerta máximo, e a Aproaço decidiu se pronunciar de forma mais aberta após repassar a preocupação ao governo federal. “Há um silêncio ensurdecedor, porque ninguém está falando sobre isso. O nosso setor metalmecânico compra material nas usinas brasileiras, especialmente CSN, ArcelorMittal (no Sul Fluminense) e Gerdau. O problema é que o aço da China chega 40% mais barato, desequilibrando a balança comercial. No passado, isso não importava tanto, mas, no ano passado, as importações representaram 24%, podendo, se não for renovado o acordo já chegar a 40% somente neste primeiro semestre. Deixamos de gerar emprego e renda aqui para gerar na China. Se o acordo não for renovado, o problema pode ser ainda maior. O setor já fala em congelar investimentos e estuda demissões que podem atingir até 30% de toda a cadeia produtiva até o final deste ano”, esclareceu em entrevista ao A VOZ DA CIDADE, acompanhado do secretário-executivo, Willian Ferreira.
Anunciada em junho do ano passado pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex/Camex), a medida do governo federal elevou para 25% o imposto de importação de vários tipos de aço e estabeleceu cotas de volume de importação para esses produtos. No entanto, o mercado externo, especialmente o chinês — cuja produção de aço conta com subsídios do governo local —, reagiu reduzindo em mais 13,3% o valor do produto em 2024. Como resultado, a importação subiu 24% no ano passado, em comparação com 2023, alcançando a marca de 6,2 milhões de toneladas, de acordo com o Instituto Aço Brasil.
Muito se tem falado sobre o que o governo americano planeja fazer em relação a países como a China, impondo taxas a produtos, mas pouco se discute sobre os impactos disso em outras nações. A China buscará outros parceiros comerciais para não negociar com os EUA. Para compensar, pode intensificar sua atuação no Brasil, exigindo em troca de outros acordos o fim do antidumping no aço.
O MOVIMENTO
Segundo o presidente da Aproaço, o movimento tem sido conduzido pelas usinas e pela própria associação. Noventa por cento do aço produzido no Brasil está na região Sudeste — Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. O Rio, por exemplo, é o segundo maior produtor nacional, com 8,626 milhões de toneladas em 2024.
Haroldo questiona onde estão os governadores e sindicatos desses estados, que não se manifestam em defesa do emprego e da renda. Ele destacou que, somente no Rio de Janeiro, o setor de processamento gera cerca de 20 mil empregos diretos, com arrecadação de R$ 4,5 bilhões em impostos. Com a perda de competitividade frente ao mercado externo, a expectativa é que um terço dos empregos sejam perdidos no Estado, especialmente em empresas de médio e grande porte. Haroldo fala, inclusive, em fechamento de indústrias de pequeno porte, o que geraria uma grave crise no setor.
O setor é extremamente forte na região Sul Fluminense. A ArcelorMittal tem unidades em Resende e Barra Mansa, e a CSN em Volta Redonda. Muitas cidades cresceram nas últimas décadas — em especial nos últimos dez anos — por conta do desenvolvimento industrial. O município de Pinheiral, por exemplo, com cerca de 25 mil habitantes, possui 19 indústrias processadoras de aço, que, juntas, correspondem a 49% dos empregos com carteira assinada. Em Barra do Piraí, dos 16 mil postos de trabalho, 30% correspondem ao setor industrial. Já em Volta Redonda, um a cada quatro empregos formais vem do setor do aço.
“A conta é bem simples. Não há competitividade com o mercado externo quando o produto importado chega ao Brasil mais barato do que o próprio custo de produção local. A gama de produtos enviados ao Brasil só aumenta. Diante disso, qual a necessidade da nossa mão de obra? E por que o empresário deve continuar investindo na expansão industrial, em equipamentos e tecnologia? São perguntas que nos levam a enxergar um cenário caótico, caso não adotemos medidas mais justas de proteção à indústria brasileira e de preservação dos empregos. Estamos falando de mais de 100 mil trabalhadores, diretos e indiretos, que vivem do setor do aço, somando o polo siderúrgico, a cadeia metalmecânica e a área de serviços”, explicou Haroldo Filho.
Ele lembrou que o setor têxtil do Estado — em cidades como Valença, Petrópolis, Vilar do Teles e Friburgo — foi muito prejudicado e na maioria extinto com a entrada da China no mercado brasileiro. “Vamos repetir isso com o aço? Precisamos gritar, porque não se trata apenas do aço. Diversos produtos podem ter aumento de preço por causa das embalagens. Estamos falando de sardinha, leite condensado, tinta, aerossol, solvente, óleo, entre muitos outros. Além disso, 90% das plataformas de petróleo são feitas de aço; o barril é enlatado. A partir do momento em que o material vem todo da China, deixamos de gerar emprego e renda no Brasil, e os preços vão subir. Isso sem contar carros, caminhões, ônibus — tudo é feito de aço. Até os alimentos serão impactados. Pode haver um colapso em efeito dominó”, alertou, enfatizando que a medida protetiva precisa ser mantida. Ele defende, ainda, o aumento da alíquota antidumping para 30% ou 40%, a fim de garantir segurança ao mercado nacional.

Haroldo ao lado do secretário-executivo da Aproaço, Willian Ferreira – Foto: André Matheus