Estamos no meio do mês dedicado à Conscientização do Autismo, e já escrevi muito por aqui sobre meu posicionamento quanto ao tema — e quanto às redes sociais. Hoje, me peguei refletindo, diante de uma situação ocorrida no trabalho, sobre a grande vulnerabilidade de crianças autistas na internet.
Já sabemos que os dispositivos eletrônicos fazem parte da vida moderna e, quando bem utilizados, podem ser ferramentas valiosas para a aprendizagem e o desenvolvimento. No entanto, para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o uso excessivo ou desregulado da tecnologia pode trazer riscos importantes.
As características do autismo — como dificuldades na comunicação social, padrões restritos de interesse e necessidade de rotina — podem aumentar a vulnerabilidade dessas crianças diante do uso exagerado da tecnologia. Veja alguns exemplos:
– Foco intenso em temas de interesse: crianças com TEA podem desenvolver hiperfoco em jogos, vídeos ou conteúdos específicos, passando horas imersas neles.
– Dificuldades de autorregulação: o controle do tempo de tela pode ser mais difícil, já que muitas dessas crianças têm dificuldade em perceber seus próprios limites ou lidar com frustrações.
– Isolamento social: a preferência por interações virtuais pode reforçar o isolamento, dificultando o desenvolvimento de habilidades sociais essenciais.
– Exposição a riscos online: a compreensão limitada de normas sociais ou do que é seguro pode torná-las mais suscetíveis a golpes, cyberbullying e conteúdos impróprios.
Consequências do uso excessivo
O uso descontrolado de eletrônicos pode afetar negativamente o sono, o desenvolvimento da linguagem, o comportamento e até mesmo o rendimento escolar. Além disso, pode substituir atividades fundamentais para o desenvolvimento neuropsicológico, como o brincar, a interação presencial e o movimento corporal.
Podemos — e devemos — utilizar a tecnologia de forma otimizada e estratégica, a favor da aprendizagem, sem prejudicar o desenvolvimento dos pequenos. Apesar dos riscos, a tecnologia não precisa ser uma vilã. Quando usada com intencionalidade e com mediação adequada, pode se tornar uma aliada poderosa no processo de ensino-aprendizagem.
Veja como: Aplicativos educativos personalizados: recursos que usam imagens, rotinas visuais e reforço positivo são especialmente eficazes com crianças autistas. Plataformas interativas com apoio visual: vídeos curtos, jogos com instruções claras e conteúdos gamificados podem facilitar a aquisição de habilidades acadêmicas e sociais. Cronômetros visuais e agendas digitais: ajudam a desenvolver a noção de tempo, rotina e previsibilidade — aspectos fundamentais para crianças com TEA.
Supervisão e mediação constante: o papel do adulto é essencial para ensinar o uso saudável da internet, monitorar os conteúdos acessados e estimular o equilíbrio entre o mundo virtual e o real.
O desafio está em transformar a tecnologia em aliada — e não em refúgio.
Para isso, é fundamental que pais, educadores e profissionais da saúde conheçam as especificidades do TEA e promovam experiências digitais seguras, significativas e mediadas com afeto e atenção. Assim, é possível garantir que o mundo digital seja um espaço de aprendizado — e não de risco.
Vamos juntos!
Marcele Campos
Psicóloga Especialista em Neuropsicologia (Avaliação e Reabilitação) e Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo, Atrasos de Desenvolvimento Intelectual e Linguagem. Trabalha há mais de 28 anos com crianças e adolescentes. Proprietária da Clínica Neurodesenvolver.