Arlindo Novais
Rebecca Cardoso
BARRA MANSA
Entre as delegacias de médio porte do Rio de Janeiro, a 90ª DP de Barra Mansa foi a primeira colocada no índice de produtividade da Polícia Civil do estado durante o mês de abril. Com 347,2 pontos alcançados, superou até mesmo unidades de grande porte; como a 10ª DP de Botafogo, na capital – que alcançou 152,1 pontos.
Em entrevista exclusiva ao A VOZ DA CIDADE, o delegado Ronaldo Aparecido Ferreira de Brito atribui o empenho de sua equipe ao resultado obtido. Além dos casos elucidados, que levaram à descoberta de 130 traficantes do próprio município, o policial também destacou os reflexos da crise econômica do estado, a crise moral da sociedade e a identificação de dois suspeitos de envolvimento no latrocínio que vitimou um universitário do UBM; crime este que chocou a população local no final ano passado.
O sistema de pontuação da Polícia Civil privilegia a conclusão de inquéritos policiais desde a implantação da Intervenção Militar no estado do Rio, há três meses. Os números variam de acordo com o crime: homicídio (4 pontos), roubo (3), demais ocorrências (1) e investigações sugerindo arquivamento (0,1). Os de menor potencial ofensivo, previstos na Lei 9099, não entram no ranking. Grande parte da marca atingida por Barra Mansa foi por investigações de tráfico de drogas; algumas que demandaram até sete meses envolvendo ações como campana, análise de dados e filmagens de criminosos.
Delegacias de porte extra grande registram de 800 a 1,2 mil ocorrências por mês. A primeira colocada nessa categoria foi a 10ª DP de Botafogo, com 152, 1 pontos. Barra Mansa tem cerca de 415 ROs/mês e atingiu os 347,2 pontos por investigações de tráfico de drogas, em sua maioria. Uma das que mais contribuiu com a pontuação da unidade policial da região resultou na identificação de 130 traficantes nascidos e criados no município.
“O que me chama a atenção nessa investigação é que durante longo tempo nós estávamos combatendo a vinda da droga pra cá, a atuação do traficante que estava lá na refinaria em São Paulo fazendo o preparo da droga e transportando pra região Sul Fluminense, e a entrada do PCC (Primeiro Comando da Capital – facção criminosa) no estado do Rio; sendo que a presença de traficantes na cidade não algo recente. Existem criminosos que atuam em Barra Mansa há 15 anos. E se tem essa quantidade de vendedores de drogas aqui é porque existem muitos usuários; é porque 90% da população usa droga”, destacou Ronaldo, que está em Barra Mansa há sete anos.
Postura adequada
Muitos dos resultados que foram obtidos no mês de abril e divulgados em maio são decorrentes de investigações sob sigilo. “Autores foram identificados de forma sigilosa em trabalhos de inteligência – sem alarde; sem divulgação. Não vejo como ficar avisando o criminoso o que eu vou fazer. A partir do momento que falo como vou agir, não apuro mais nada. Não tem fundamento”, disse o delegado; destacando que o resultado demonstra que essa é a forma correta de se trabalhar, pois isso viabiliza a solução de crimes.
Superação
“Qual é a diferença dessa delegacia para as demais? É o comprometimento pessoal de cada policial; o que eles absorveram que tem que ser feito mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelo estado do Rio. Falta papel, toner de impressora, gasolina, manutenção nos veículos para poder evoluir na apuração de crimes; faltam há oito meses os pagamentos do RAS (Regime Adicional de Serviço); falta muita coisa, mas mesmo diante disso, temos um grande número de crimes esclarecidos. Assim, você mostra para o criminoso que a impunidade não prevalece na região; que ele vai responder por seus atos e isso acaba automaticamente inibindo a ocorrência de novos crimes”.
Quem contribui
“A lei veio para endurecer, mas nossos tribunais fizeram a ‘lei do tribunal’; a lei do caso concreto. A interpretação jurisdicional desvirtua a totalmente a finalidade pra que a lei foi criada. No português claro: nós sempre vamos ter esses problemas com o crime no Brasil, pois hoje em dia o crime organizado se infiltrou em todas as malhas e o judiciário não está isento. Desses 130 presos, 90% já foram soltos. Alguns já estavam no sistema penitenciário e, de lá, coordenavam ações através de telefone, parentes e advogados. O grande problema que nós temos é que ele não deixa de praticar o crime; de transacionar a droga, de dar as ordens para matar pessoas – são fatos comprovados. Dos homicídios esclarecidos no mês de abril, três deles tem como mandantes pessoas já presas. Tem solução? Ninguém toca nesse assunto – de como ele consegue se comunicar, de como entra telefone no sistema prisional”, pontua Ronaldo.
Quem financia
Sobre quem paga para o crime acontecer e pelas suas consequências é a própria sociedade. “Estamos em um país do tudo pode e estão querendo que a polícia resolva um problema que é social. A partir do momento que a sociedade gosta de usar droga, o crime é uma consequência criada por ela. Polícia não cria crime. Polícia (Civil) investiga; e a PM (Polícia Militar) tenta impedir que ele ocorra. Quem pratica crime são os próprios cidadãos; só que ainda não perceberam isso e ainda acham um absurdo quando eles ocorrem. Acha legal comprar um aparelho de TV por R$200 de carga roubada; dar R$50 para o cara que faz vistoria no carro… estamos vivendo num ciclo que não vai ter fim. Estamos chegando num ponto que precisamos fazer a pergunta: ‘o que queremos para nós?’, pois estamos perto do caos social. Não se discute a realidade no país; discute-se o problema, não a causa. A sociedade está abrindo o próprio buraco para se enterrar”.
Falsa solução
Diante do grande número de ocorrências por tráfico e todos os crimes a eles relacionados, o delegado Ronaldo de Brito enfatizou que a legalização do uso de entorpecentes só iria piorar as condições sociais. “Legalização? Procurem na internet a declaração do chefe da polícia da Holanda; o país está se tornando um ‘narcoestado’ depois que legalizou o uso de drogas (a polícia afirma que o tráfico de drogas formou uma economia paralela e que antes os registros de ocorrência eram por roubo de bicicleta e furto de carteira; agora há registro de crimes graves). Se a Holanda que é um país organizado se transformou nisso, imagina o Brasil com todas as questões de corrupção e sociais”.
Primeiros passos
“Fala-se muito em ressocialização. No Brasil temos uma camada social que tem as regras dela: eu sou mais forte, eu mato; eu sou mais forte, eu tomo; eu sou mais forte, eu sequestro; se tenho mais armamento, vou dominar… isso que está vigorando no estado do Rio – um ambiente que não tem regras. A sociedade precisa se perguntar que país quer para si. Enquanto nós tivermos jovens, empresários; toda a classe social usando drogas e achando que isso é legal, teremos quem fomente o crime e patrocine o mesmo criminoso que vai matar o seu ente querido; que vai entrar na sua casa e estuprar seu filho; que vai estar na pista roubando seu carro… uma coisa liga a outra. Nós somos uma sociedade; não conseguimos manter o criminoso longe de nós. Ele vai e volta, ainda mais com as questões jurisdicionais. A sociedade precisa mudar seu pensamento e comportamento”.
Futuro
“Minha preocupação não são os traficantes, pois as migrações que tentaram fazer pra cá foram coibidas “de pronto”; já cessou na época da onda de homicídios registrados em Barra Mansa (outubro/novembro de 2017); já perceberam que aqui e em Volta Redonda eles não têm espaço. Minha preocupação é o fato de criarem a mentalidade de que ser traficante é ter ‘status’ – é selfie com Rogério 157 (traficante), delegada no colo de traficante, jogador com o chefe do tráfico favorito… É preciso discutir isso desde a pré-escola; é preciso formar o caráter do cidadão desde a infância”.
Identificados dois suspeitos de assalto que resultou em morte de universitário
Caio César Alves Camargo, 23 anos, estudante do Centro Universitário de Barra Mansa (UBM) que pretendia ser psicólogo. O comportamento tranquilo do jovem, segundo relato de colegas, foi interrompido por bala veloz de calibre 380 no dia 31 de outubro de 2017. Vítima de latrocínio (roubo seguido de morte), ele deixava a faculdade por volta das 21h40 quando a cerca de 80 metros do local foi rendido por um suspeito que queria seu celular. A vítima estava na companhia do amigo Breno Caneda, 19 anos, que foi alvo de um segundo suspeito no assalto e baleado na ocasião. A terceira pessoa que foi abordada por outro bandido foi uma mulher, que não foi ferida pelos criminosos.
Desafios da investigação do latrocínio
O delegado Ronaldo de Brito explicou que a demora na apuração deste caso, que levou à identificação de dois suspeitos no início do mês de maio, tem a ver com o período de recuperação de Breno. “Ele ficou hospitalizado e não podia receber visitas, nem mesmo ser ouvido pelos policiais civis. Além disso, tem as questões burocráticas envolvendo a Justiça e o deslocamento de ‘Maguinho’ (um dos suspeitos que teria abordado a mulher) do sistema prisional até a delegacia de Barra Mansa para ser submetido ao reconhecido por parte das vítimas. Uma semana depois do crime contra os jovens, ele foi preso por agentes da 90ª DP por tráfico de drogas. Ele negou participação no latrocínio, mas também foi reconhecido pela mulher e permanece detido”, destacou Ronaldo.
Um dos suspeitos que teria atirado contra os jovens foi reconhecido por foto por uma das vítimas. “Em depoimento aqui na delegacia ele negou envolvimento no caso, mas saiu da 90ª DP, foi em casa, pegou uma mochila e desde então nunca mais foi visto – isso foi a mãe dele que nos relatou. Então, tudo indica que ele é mesmo um dos autores do crime”, adiantou Ronaldo, que já representou pela prisão temporária do suspeito, cujo apelido é ‘Fofão’.
Já sobre a identificação de um terceiro homem que participou do crime e que também teria atirado contra os jovens, o delegado disse que isso vai depender dos próprios suspeitos já descobertos. “O terceiro vai ficar muito difícil porque a gente não tem suspeita nenhuma. Quem pode dar alguma informação são os próprios envolvidos”, disse Ronaldo.
De onde são os autores do assalto aos jovens universitários? Do Retorno – localidade do bairro Ano Bom, onde o policial militar Eleonardo Silva foi morto durante uma tentativa de assalto a um posto de combustíveis, em 12 de novembro de 2017 – menos de duas semanas após a morte de Caio.
E quem compra celular roubado financia o crime, afinal, como citou o delegado Ronaldo de Brito “uma coisa leva a outra. Quem paga para o crime acontecer e pelas suas consequências é a própria sociedade”.
Há mesmo muito a se refletir!