Arlindo Novais
BARRA MANSA
Prestes a completar 10 anos trabalhando na delegacia de Barra Mansa (desde 2011 como titular), o delegado Ronaldo Aparecido de Brito conversou com exclusividade com a reportagem do A VOZ DA CIDADE onde fez um balanço sobre o último ano de trabalho, no qual a cidade foi marcada por uma onda de homicídios. Ronaldo revelou como estão algumas investigações e falou um pouco também sobre seu apreço pela cidade.
De acordo com dados registrados na 90ª DP, somente em 2017 foram 111 casos de homicídios e tentativas de assassinatos em Barra Mansa, com a resolução de 60 deles; número que surpreendeu até mesmo o próprio delegado.
“Em comparação com os números do ano passado e 2016, houve um aumento no índice de resolução desses casos. Em 2016 foi 47% e ano passado esse número subiu para 54%. Ou seja, de 111 casos de homicídio e tentativa de homicídio, 60 já foram esclarecidos. Mesmo diante das dificuldades que a Polícia Civil vem encontrando, falta de condições de trabalho, mas (os policiais) de forma vocacionada e dedicada vêm obtendo os esclarecimentos. Os responsáveis por esses crimes estão sendo identificados e dentro das possibilidades, a Justiça tem decretado a prisão dessas pessoas”, afirmou Ronaldo, lembrando que na média nacional a taxa de resolução de homicídios não ultrapassa os 10%.
Questionado sobre como andam as investigações de homicídios que ocorreram em 2017 e que chamaram a atenção dos moradores da cidade, o delegado revelou que elas seguem em andamento.
“Noventa e nove por cento dos homicídios em Barra Mansa têm ligação com o tráfico de drogas. No ano passado, dos homicídios ocorridos na cidade somente o do estudante do UBM e do cabo Eleonardo se trataram de latrocínios (roubo seguido de morte). Do restante, a maioria tinha ligação com o tráfico de drogas”, citou logo completando: “O latrocínio do UBM está em andamento, com as investigações em um estágio bem evoluído. Estamos dependendo de autorização judicial para conduzir um preso até a delegacia para que ele seja submetido a reconhecimento. Já o caso Eleonardo, praticamente esclarecido. De sete, cinco autores foram identificados. As investigações ainda estão em andamento, mesmo com a prisão desses cinco. A investigação foi desmembrada para tentar identificar esses dois e também outros que possam estar envolvidos, porque nós não sabemos se existem mais. Sete que estavam na ação criminosa, mas pode ser que tenha algum funcionário do posto envolvido, alguma outra pessoa que possa ter passado a rotina do local”, afirmou.
Noventa e nove por cento dos homicídios em Barra Mansa têm ligação com o tráfico de drogas
INVESTIGAÇÃO
Ronaldo ainda falou sobre como funciona o processo de investigação. O delegado disse que a tendência é que a sociedade aponte a vítima de homicídio como uma pessoa envolvida com o tráfico de drogas, no entanto ele esclareceu que a Polícia Civil não se deixa levar por essa ‘premissa’. “Nós partimos do zero. É claro que as primeiras ações de uma investigação é saber o histórico e a vida pregressa daquela pessoa que morreu, saber se ele possui algum parente que tenha envolvimento com o crime, porém com a evolução das investigações vamos chegando até o ponto em que descobrimos a motivação”, declarou.
Ainda sobre o trabalho de investigações, Ronaldo comentou que em algumas ocasiões até mesmo a polícia se surpreende, como foi o caso do duplo homicídio ocorrido às margens da linha férrea, próximo ao bairro Roberto Silveira. Segundo ele, as investigações iniciais apontam que as vítimas estariam de alguma forma atrapalhando a venda de entorpecentes no bairro Roberto Silveira e os autores do crime seriam traficantes do local.
“Durante outras investigações apreendemos alguns celulares e nesses aparelhos de terceiros havia conversas se referindo a esses garotos que foram mortos, falando sobre o envolvimento deles com o tráfico. Inclusive o Matheus que foi morto foi o “errado”, era para ter sido assassinado um homônimo dele. Então isso mais uma vez me leva a reforçar aquilo que eu digo: 99% dos crimes em Barra Mansa têm ligação com o tráfico”, disse o delegado, explicando o que teria ocorrido no fim do ano passado quando foram registrados 17 homicídios em 20 dias na cidade.
“Vários criminosos de Angra dos Reis migraram para a região, começou uma disputa entre facções rivais. Quando ocorre esse tipo de confronto sempre acontecem essas mortes em sequência. E foi o que ocorreu naqueles 20 dias, onde foram 17 homicídios. Desses homicídios alguns já estão esclarecidos”.
AJUDA DA POPULAÇÃO E IMPUNIDADE
O titular da 90ª Delegacia de Polícia lembrou que a ajuda da população contribui, e muito, para um resultado efetivo do trabalho da polícia. Ele garantiu que toda informação que chega até seus coordenados são apuradas.
“A população sempre pode ajudar com informações. A polícia às vezes não sabe, mas o cidadão sabe. Então eu até entendo que o cidadão de bem muitas vezes tenha medo, mas pode ser que ele tenha testemunhado um fato, algo que ajude a solucionar um crime. Basta ligar (24) 3328-4863, o anonimato é garantido. Há vezes que eu passo até mesmo o meu telefone pessoal. Então, hoje em dia eu tenho uma rede de informantes que ajuda muito”, destacou.
Ronaldo disse que diferente de outras regiões, quando até mesmo bandidos ajudam delatando ações de rivais, em Barra Mansa existe uma espécie de “código de honra”, onde os criminosos se preservam; até mesmo se tratando de inimigos. “É muito comum isso em certas regiões, um derruba o outro. Aqui os criminosos têm um código de honra. Às vezes, um criminoso sofre uma tentativa de homicídio, mas não vem à delegacia registrar e diz: ‘A gente resolve isso na rua’. Outros quando presos ou são testemunhas de algum crime praticado pelo rival preferem optar pelo silêncio, então é algo da cidade” evidenciou.
Apesar de toda a experiência policial, Ronaldo confidenciou que a facilidade com que as pessoas matam as outras ainda o assusta. “Me assusto muito com a facilidade que as pessoas tiram a vida das outras no estado do Rio. E é uma coisa cultural. Se você pensar numa quantidade dessas de homicídio em qualquer cidade do interior de São Paulo, é uma coisa bizarra. Não acho comum, isso só demonstra que a qualidade de vida da região é muito baixa”, comentou.
Para o delegado, a facilidade em praticar crimes ocorre muito pela sensação de impunidade, que passa pela sociedade e que o bandido também tem quando vai praticar um crime. “O criminoso sabe do risco que ele corre em ser preso e quando ele sabe que não vai ficar preso, ele tem a certeza da impunidade. Então cada vez mais as pessoas têm optando por cometer crimes, cada vez mais o cara decide matar o outro porque ele sabe que não vai ficar preso, mesmo que seja capturado. Ele já tem uma probabilidade mínima de ser identificado, menor ainda de ser detido e uma chance quase nula de ficar preso, isso facilita”, analisou.
O policial disse ainda que essa mesma sensação de impunidade pode explicar a onda de assassinatos que atingiu Barra Mansa no fim do ano passado. “O criminoso sabe que se ele for capturado não vai ficar preso, então pensa: ‘Vou para Barra Mansa, porque lá ninguém fica preso mesmo’. E o que aconteceu em novembro foi isso, foi algo que já vinha acontecendo há algum tempo, mas ali naquele momento foi o vértice da curva. E isso é muito comum pela forma como o magistrado local trata essas pessoas. Muitos são bandidos de alta periculosidade, que infelizmente ganham a liberdade ou penas alternativas e continuam praticando seus crimes”, desabafou Ronaldo; citando que a crise econômica que assola o país também tem influência no aumento da criminalidade.
IDENTIFICAÇÃO COM BARRA MANSA
Desde 2008 trabalhando na cidade, Ronaldo é um dos delegados que a mais tempo estão no cargo na região. Perguntado sobre o porquê, já que a Polícia Civil tem o costume de promover mudanças rotineiramente, Ronaldo disse que segue em Barra Mansa por uma escolha pessoal dele e que espera evoluir dentro da região.
“Já tive vários convites para ir para outras delegacias, inclusive especializadas no Rio, mas pelo pouco que conheço do estado, entendo que onde eu posso alcançar minhas perspectivas é aqui na região Sul Fluminense. Então não adianta eu ir para o Rio, capital, querer melhorar algo que é inviável. Chega a ser impossível na atual estrutura. Então eu encontro no interior pequenas possibilidades de melhora e alcance de metas pessoais. Melhorar a qualidade de vida de quem mora em Barra Mansa ou do Sul Fluminense. Não pretendo sair, a não ser que eu seja obrigado. Realmente me adaptei à Barra Mansa, é uma cidade da qual fiz a minha casa, e esse ano me mudo definitivamente para cá”, contou.
Apesar da identificação com a cidade e o sólido trabalho à frente da 90ª DP, o delegado revelou que sofre com denúncias infundadas na Corregedoria da Polícia Civil.
“A realidade é que você não agrada todo mundo. Sempre vai ter alguém querendo tirar proveito. Sofro muito com denúncias infundadas. Quase que toda semana vou à Corregedoria responder. Por prender muita gente você acaba fazendo muitos inimigos, acaba tirando o ‘ganha pão’ de muito corrupto”, frisou Ronaldo.
Para exemplificar, Ronaldo citou a “Operação Open Doors”, que apura a ação de uma quadrilha de hackers que realizavam desvios de dinheiro em contas bancárias no Sul Fluminense. A operação realizada em agosto do ano passado prendeu mais de 30 pessoas e apreendeu carros de luxo, celulares e computadores. Na ocasião, a polícia havia divulgado que em oito meses o bando desviou mais de R$ 2 milhões de contas.
“A quadrilha de hackers estava há 10 anos na região e era a galinha dos ovos de ouro daqui. Todo aquele policial que tinha a sorte de surpreender um integrante dessa quadrilha numa situação errada, ele sabia que ia poder ganhar um dinheiro. Alguns recebiam mensalmente, semanalmente, tudo para não agir. Então você tem dentro da região uma organização criminosa que acaba fomentando a corrupção dos órgãos públicos de forma constante. Eles já faziam isso há 10 anos. Quando você tira as principais cabeças, você acaba prejudicando interesses escusos de terceiros e logo o problema é o delegado”, disse Ronaldo, enfatizando que essa organização criminosa fomentava o tráfico de drogas e até homicídios na região, alguns promovidos por policiais, que estão sendo investigados.
Também em 2017, policiais da 90ª DP deflagraram a “Operação Halteres”, que combateu a venda de anabolizantes e o tráfico de drogas, no Sul Fluminense, principalmente nas cidades de Barra Mansa e Resende, e contou com a participação de outras unidades policiais. Na ação, 20 pessoas foram presas, entre elas três policiais militares lotados no 37º BPM (Batalhão de Polícia Militar de Resende) e Rodrigo Bolina, apontado pela polícia como um dos maiores distribuidores de anabolizantes do país.
Para finalizar, o delegado adiantou que outras fases da “Open Doors” estão em andamento e que pelo menos seis fases dela devem ocorrer no futuro. Em um balanço geral do ano de 2017, Ronaldo destacou o cumprimento de 167 mandados de prisão pela 90ª DP, incluindo operações coordenadas pela equipe e a conclusão de 1.164 inquéritos policiais. Desses procedimentos estão: violência doméstica contra a mulher, furtos, roubos, estelionato, estupro, atentado violento ao pudor, crimes contra a ordem econômica e tributária.