O autismo é um espectro vasto, e dentro dele, o Nível 1 de suporte, antigamente conhecido como Síndrome de Asperger, muitas vezes reside em uma zona de difícil percepção. São crianças e jovens que, à primeira vista, podem não apresentar os sinais mais óbvios do autismo. Falam, interagem (à sua maneira), e muitas vezes são brilhantes em áreas de seu interesse. No entanto, é justamente essa “normalidade aparente” que esconde um labirinto de desafios, principalmente no ambiente escolar, e que impacta diretamente a saúde mental desses indivíduos e de suas famílias.
O diagnóstico tardio é um vilão nesse cenário. Quantos jovens com autismo Nível 1 passam anos taxados de “desatentos”, “tímidos demais” ou “rebeldes sem causa”? A dificuldade em interpretar nuances sociais, a rigidez de pensamento, as hipersensibilidades sensoriais (como o barulho excessivo da sala de aula ou a textura de certas roupas) e a necessidade de rotinas bem estabelecidas podem transformar o ambiente escolar em um campo minado. O que para a maioria é apenas uma aula, para um autista Nível 1 pode ser uma experiência de sobrecarga sensorial e social extenuante.
A consequência? Ansiedade, depressão, isolamento social e recusa escolar. A pressão para “se encaixar” em um molde que não lhes serve é avassaladora. Eles entendem que são diferentes, mas muitas vezes não compreendem o porquê, e a escola, ao invés de ser um espaço de aprendizado e acolhimento, pode se tornar um gatilho constante para crises e sofrimento psíquico.
O papel da família: farol e porto seguro
Diante desse cenário, a família emerge como o principal pilar de suporte. Não se trata apenas de buscar o diagnóstico (que é o primeiro e crucial passo), mas de se tornar uma aliada incansável na construção de um caminho que minimize os desafios e potencialize as capacidades desses jovens.
Mas como a família pode, de fato, ajudar a promover uma maior saúde mental?
* Entender as particularidades do autismo Nível 1 é fundamental para desmistificar comportamentos e evitar frustrações.
* Comunicação aberta e validação: crie um ambiente onde o jovem se sinta seguro para expressar seus sentimentos e dificuldades, mesmo que de forma não verbal ou indireta. Valide suas emoções. Dizer “eu entendo que o barulho da escola te incomoda muito” é mais poderoso do que “você precisa se acostumar”.
* Advocacia escolar ativa: a família precisa ser a voz do jovem na escola. Isso significa dialogar constantemente com professores e coordenadores, explicar as necessidades específicas, sugerir adaptações (como um local mais tranquilo para realizar provas, o uso de fones de ouvido em momentos de sobrecarga ou a antecipação de mudanças na rotina).
* Ensino de habilidades sociais de forma direta: as sutilezas sociais são um desafio. A família pode auxiliar ensinando de forma explícita o que a maioria aprende intuitivamente: como iniciar uma conversa, como interpretar expressões faciais, como lidar com conflitos. Jogos de RPG, simulações e roteiros podem ser ferramentas úteis.
* Gerenciamento da rotina e previsibilidade: a rotina é um porto seguro para autistas. Manter horários previsíveis para atividades diárias, refeições e sono contribui significativamente para reduzir a ansiedade. Quando houver mudanças, comunique-as com antecedência e prepare o jovem para elas.
* Estímulo à autonomia e independência: à medida que crescem, é importante que esses jovens desenvolvam autonomia. Incentive-os a resolver problemas, a tomar decisões dentro de suas capacidades e a realizar tarefas do dia a dia. Isso promove um senso de competência e reduz a dependência excessiva.
Marcele Campos
Psicóloga Especialista em Neuropsicologia (Avaliação e Reabilitação) e Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo, Atrasos de Desenvolvimento Intelectual e Linguagem. Trabalha há mais de 28 anos com crianças e adolescentes. Proprietária da Clínica Neurodesenvolver.