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Praticamente uma em cada quatro mulheres que passaram pela Central de Audiência de Custódia de Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tiveram a prisão mantida apesar de cumprirem todos os requisitos para obtenção da liberdade provisória ou da prisão domiciliar – ou seja: ser gestante, lactante ou mãe de criança com deficiência ou até 12 anos de idade e não estar respondendo a crime violento nem praticado sob forte ameaça. É o que revela um levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado (DPRJ), que foi divulgado ontem, durante o evento “Encarceramento Feminino em Perspectiva”, em sua sede no Centro.
A pesquisa “O Perfil das Mulheres Gestantes, Lactantes e Mães Atendidas nas Audiências de Custódia” foi realizada entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019. Neste período, a Defensoria Pública contabilizou 161 mulheres que atendiam aos critérios fixados pela Lei nº 13.769/2018. A legislação proíbe expressamente a conversão da prisão em flagrante em preventiva para quem está grávida, amamenta ou tem filhos com deficiência ou até 12 anos de idade e cujo crime a que responde não envolva violência nem grave ameaça.
Das 161 mulheres, a maior parte havia sido presa por crimes relacionados à Lei de Drogas (38%) ou por furto (34,5%). Além disso, 84% eram rés primárias. No entanto, 45 delas foram mantidas presas preventivamente após a audiência de custódia – ou seja: 28% do total. Apenas 10% receberam a prisão domiciliar.
O índice de prisões preventivas, contudo, aumenta para 36% se consideradas todas às mulheres grávidas ou com suspeita de gravidez, lactantes e mães que passaram pela Central de Benfica no período pesquisado. Segundo o relatório, entre agosto de 2018 a fevereiro desse ano, a DPRJ registrou a passagem de 552 mulheres na Central de Benfica com informações sobre o resultado da audiência de custódia. Desse total, 256 estavam grávidas ou com suspeita de gravidez, ou eram lactantes e mães de filhos pequenos. Contudo, 92 tiveram a prisão preventiva decretada. Além disso, somente 18 tiveram a prisão em flagrante convertida em domiciliar.
Segundo explicou a defensora Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiência de Custódia da DPRJ, a liberdade provisória ou prisão domiciliar para as grávidas, lactantes e mães, acusadas de crimes não violentos ou praticado mediante grave ameaça, foi determinada pelo STF em fevereiro do ano passado, no julgamento do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski. O entendimento, no entanto, se tornou indiscutivelmente obrigatório com a aprovação da Lei 13.769/18, que alterou o Código de Processo Penal. “O entendimento adotado pelo STF no julgamento do HC coletivo já era vinculante: ou seja, deveria ser aplicado por todas as demais instâncias da Justiça. Mas esse dado, de que 36% das mulheres apresentadas à audiência de custódia permaneceram presas, mostra que a política de proteção dos filhos preconizada pelo Supremo, e que foi posteriormente consolidada pela Lei 13.769/18, não vem sendo observada”, afirmou Caroline.
Na avaliação da pesquisadora Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ, a concessão de liberdade provisória a gestantes, lactantes e mães de filhos pequenos não é muito diferente do constatado entre as demais presas em flagrante, incluindo aquelas sem filhos ou com filhos já adolescentes ou adultos. De acordo com o estudo, do universo composto por 552 mulheres levadas à Central de Benfica no período pesquisado, 316 (ou 57% delas) obtiveram a liberdade provisória.
TRês em cada quatro são negras
Do total de 552 mulheres que passaram na Central de Benfica, entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, apenas 2,7% já haviam sido submetidas à audiência de custódia no mesmo período. De acordo com o relatório, deste universo (552 mulheres), 81% (ou 448 delas) foram assistidas pela Defensoria Pública – o que indica a vulnerabilidade socioeconômica do grupo. Além disso, três em cada quatro das presas se autodeclararam pretas ou pardas.
Segundo a defensora Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, diante do perfil identificado, a resistência na aplicação integral do HC Coletivo e da Lei 13.769/18 nega um direito às mulheres, contribui para o superencarceramento feminino e impede a concretização de uma política voltada para proteção da infância. “Em um cenário de crescimento da população carcerária feminina, sendo certo que mais da metade das mulheres no cárcere responde pelo crime de tráfico de drogas, a não implementação integral do HC Coletivo e da lei, além de contribuir para o aumento de mulheres encarceradas, faz com que muitas crianças nasçam nas prisões. Não há razões para suspeitar que a mãe que trafica é indiferente ou irresponsável para o exercício da guarda dos filhos”, afirmou Flávia.