SUL FLUMINENSE
O comércio de praticamente toda a região permaneceu fechado nos últimos 50 dias, algumas cidades ainda retomam nesta semana a rotina gradual no setor. O que tem preocupado muitos consumidores é que nesse período de quarentena imposta como prevenção ao coronavírus (Covid-19), com população em casa e lojas fechadas, parcelas de crediários venceram ao longo de março e abril. Com a flexibilização em algumas cidades como Barra Mansa e Resende, clientes estão indo às lojas quitar suas pendências e são surpreendidos pela incidência de juros abusivos nas parcelas em atraso no período da quarentena.
Em Barra Mansa, uma dona de casa chegou a ter R$ 15 embutido na prestação do carne atrasado em uma rede de varejo de roupas e calçados. Em Resende, um cliente indicou que a loja de eletroeletrônico cobrou juros do carnê em atraso do seu smartphone. “Penso que é errado, pois se a loja estava fechada e todos obrigados a cumprir quarentena, o atraso não deveria ter incidência de juros. Paguei R$ 9 de juros no boleto de abril, quando a loja tava fechada”, comenta o industriário Silvio Mendonça.
Nestes casos, como o consumidor deve proceder? O A VOZ DA CIDADE ouviu uma especialista na área jurídica sobre o tema. A advogada Lailla Finotti de Assis Lima, da SEA Advocacia, com escritórios em Barra Mansa, Angra dos Reis e Rio de Janeiro, frisa que a crise atual nunca foi presenciada antes na história do nosso país, portanto, inexistem precedentes para esta situação. “Essa falta de precedentes exige que princípios gerais do direito sejam valorados e colocados em destaque no tipo de análise que estamos fazendo. Por mais que a maioria das compras não seja efetivada com as formalidades esperadas para um contrato, este tipo de transação é enquadrada como contratação, motivo pelo qual tem todas as proteções contratuais. Assim, além dos princípios consagrados no Código de Defesa do Consumidor (CDC), devemos observar os princípios contratuais, quais sejam: boa-fé, probidade, e solidariedade. E para analisarmos essa questão, imprescindível situarmos a discussão sob o enfoque do caso fortuito e força maior”, afirma.
COBRANÇA ABUSIVA
No caso da pandemia do novo coronavírus, a advogada afirma que a situação configura-se como força maior, atingindo e impactando diversas relações, razão pela entende a plena possibilidade de revisão dos contratos e relações comerciais diante da situação excepcional que atinge o mundo todo. A advogada explica que se tratando de relação consumerista, regida pela Lei 8.078/90 – CDC, impõe-se o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor (artigo 4º, I, CDC), já que se encontra em situação de desequilíbrio na relação contratual.
Ante a imprevisibilidade dos efeitos do fato, os fornecedores têm por dever atender à solicitação do consumidor, em especial diante do quanto previsto no inciso V do artigo 6º do CDC, que dispõe ser direito básico do consumidor ‘a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas’. “Assim, entendo como abusiva a cobrança de juros e multas para lojas e estabelecimentos que não propiciaram o pagamento por meio alternativo e mantiveram-se fechadas neste período”, frisa.
A advogada cita a orientação jurídica ao consumidor, lembrando que todos os princípios destacados anteriormente garantem que havendo interesse, por ambas as partes, uma nova estipulação dentro do contrato, já vigente e assinado, pode ocorrer. “Ou seja, um acordo é a saída. Indico que o primeiro passo adotado pelo consumidor seja a solicitação de outra forma de pagamento, sobretudo via boleto bancário. Dessa forma, o interesse e a boa-fé estariam demonstrada. Por ligação telefônica ou por e-mail o consumidor por buscar esse contato”, argumenta.
DADOS DA EMPRESA
Em situações de pedido de revisão de contrato ou contestação de valores, é imprescindível que o cliente tenha em mãos todos os contatos e protocolos da empresa que busca a negociação. “Ressalto que a guarda desse contato é imprescindível. Guardar o e-mail, anotar o protocolo e a data e hora que realizou a ligação é a medida mais adequada nesse momento para se resguardar e mostrar que teve boa fé na tentativa de pagar. Importante consignar que é dever do fornecedor disponibilizar ao consumidor todos os canais possíveis de comunicação: telefone, e-mail, site. Limitar o atendimento ao consumidor é violar o direito do consumidor de obter a informação adequada e clara e a efetiva prestação do serviço (artigo 6º, III, CDC)”, orienta Lailla Lima.
AÇÃO JUDICIAL
A advogada explica também que havendo um retorno positivo, o consumidor poderia efetuar o pagamento pelo próprio aplicativo do banco, sem a necessidade de sair de casa. “Caso o consumidor não obtenha resposta da loja por e-mail ou por ligação, a opção é realizar esse pagamento no estabelecimento físico, quando reabrir. No entanto, sem a cobrança de juros e multa por atraso, tendo em vista que o consumidor não ocasionou esse atraso e ele buscou opções para efetivar o pagamento, mas o fornecedor não permitiu isso. Sendo mantida a cobrança de juros e multa, o consumidor deve procurar os Órgãos de Defesa do Consumidor. Essa reclamação pode ser realizada por meio do Procon, Decon e por sites de defesa do consumidor. O site do Governo Federal não possui todas as lojas que estão cadastradas, mas existe o ‘Reclame aqui’. Se não houver qualquer retorno pelos canais anteriormente indicado, aconselho que o consumidor promova o pagamento integral do débito – com o acréscimo dos juros e multas – e posteriormente demande judicialmente para esta revisão – por ação judicial”, recomenda a advogada.
Segundo a SEA Advocacia, outro instrumento judicial que pode ser aplicado ao caso é a ação de consignação em pagamento. Neste tipo de ação, o consumidor/devedor se vale do seu direito de pagar e deposita judicialmente o valor que entende como devido, deixando sob o crivo do juízo a análise da legalidade ou não de juros e multa, podendo evitar uma negativação do crédito. “Precisamos analisar caso a caso para pensar na melhor solução, mas neste momento, o melhor meio é o acordo”, finaliza Lailla Lima.