VOLTA REDONDA
Em entrevista exclusiva ao A VOZ DA CIDADE, Marília de Barros Silva, de 50 anos, mãe de Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, de 14 anos, que morreu no incêndio do Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, falou pela primeira vez com a imprensa regional após completar um ano da tragédia que vitimou seu filho e outros nove adolescentes, deixando outros três feridos. A moradora de Volta Redonda contou sobre como foi a trajetória do jovem no futebol e como está sendo superar a dor de perder um filho. No último dia 8 de fevereiro fez um ano que o alojamento dos jovens pegou fogo, no Rio de Janeiro, e no dia 9, Arthur completaria 16 anos. “No mesmo dia que meu filho nasceu, foi o dia em que eu o enterrei”, disse a mãe.
De acordo com Marília, a paixão pelo futebol começou a surgiu em Arthur quando ele ainda tinha apenas três anos. “Outros homens da família também chegaram a jogar em times profissionais, inclusive o pai dele, que foi assassinado quando Arthur ainda tinha seis anos”, contou, acrescentando que nessa idade, ela matriculou o filho no futebol do Sesi, onde ele começou a participar de competições. E após isso o menino não parou mais e se tornou botafoguense, como o pai.
Aos 13 anos, antes de decidir ir para o Flamengo, Arthur teria passado em testes do Atlético Mineiro, Botafogo e Vasco. “Aconteceram diversos fatores que o impediram de ir para esses clubes, mas ele também decidiu optar pelo Flamengo, pois disse que se sentiu bem no local”, explicou, se emocionando ao contar que no dia em que foi levar o filho na academia do clube, ela começou a chorar. “Estava com medo de deixá-lo lá, porque a violência do Rio de Janeiro é muito grande. Nesse momento, uma das pessoas que nos apresentava o local, disse que com 14 anos ele já poderia ficar no alojamento e estaria seguro, pois ele também estudaria lá dentro”, lamentou, lembrando de que foi nesse local, aparentemente seguro, que o filho perdeu a vida.
FUTURO INTERROMPIDO
Após um ano da morte do filho, Marília conta que as datas especiais são as mais difíceis. “O Natal, Dia dos Pais, das Mães, aniversário, o período de férias, não tem como passar essas datas sem lembrar. Além disso, todos os locais da minha casa têm uma parte dele”, contou, acrescentando que além do futuro de seu filho ter chegado ao fim, várias possibilidades de futuro acabaram para ela. Ela falou sobre nunca poder conhecer uma nora, um neto, saber como ele ficaria de barba ou se estaria mais forte.
O carinho do filho é uma coisa que Marília nunca se esquecerá. Em todos os finais de semana os dois estavam juntos, todas as noites conversavam pelo telefone antes de dormir. “Hoje em dia é difícil para pegar no sono”, resume. E na fé a mãe de Arthur tem se apoiado para seguir em frente. O que mais a conforta é saber que o filho está em um lugar bom. “Ele era um menino excelente e bondoso. Sou grata por tê-lo criado e por ter enfrentado todas as dificuldades financeiras e emocionais”, expressou.
“TRATAM O CASO COM FRIEZA”
Questionada sobre as negociações com o clube do Flamengo, Marília contou que não entrou na Justiça e espera que a diretoria entre em um acordo que seja justo. “Não é questão do dinheiro em si, porque nenhum valor trará o meu filho de volta, é questão da Justiça ser feita. Eu não quero mexer com advogados e ter que ficar anos na Justiça esperando essa situação ser resolvida, porque para mim é muito doloroso ter que ficar voltando sempre nisso. Mas eles têm que ser justos”, afirmou, completando que a diretoria do Flamengo nunca se pronunciou diretamente com as famílias. “Após dois dias da tragédia, o próprio Zico me ligou para dar os pêsames. Mas os representantes oficiais do clube, onde o meu filho perdeu a vida, nunca falaram comigo. Tive contato apenas com os advogados, médicos e psicólogos. Eles tratam o caso com frieza”, expôs.
Marília ainda ratificou que as famílias passaram a ser apenas uma despesa para o clube. Ela contou também que entre fevereiro e maio, uma psicóloga a procurou perguntando se ela precisava de ajuda e ela disse que não, após isso, nunca mais foi procurada. “A última vez que tive contato com um advogado do Flamengo, foi em maio de 2019”, relatou, completando que algumas pessoas julgam que as famílias querem ficar milionárias em cima da vida do filho. “Mas peço a Deus perdoá-las, porque não sabem o que estão dizendo. A parte jurídica do clube fala também que não há como saber se eles virariam jogadores profissionais, mas já não há como saber nada sobre o futuro deles, pois eles não possuem um”, concluiu.
NOTA DO FLAMENGO
Na noite da última segunda-feira, dia 10, o Clube de Regatas do Flamengo chegou a postar novamente uma nota se pronunciando sobre o caso e afirmou manter contato com as famílias. Na ocasião, o clube voltou a explicar que das 26 atingidas pela tragédia, 19 famílias e meia já entraram em acordo no que diz respeito às indenizações. “Desde o primeiro momento, o Flamengo disponibiliza assistência médica, pedagógica, psicológica e social para as vítimas e seus familiares”, disse, ratificando que o clube mantém sim contato com as famílias, inclusive por meio dos advogados constituídos por elas próprias para representá-las. Outra afirmação feita pelo clube é que o Flamengo ofereceu um valor “muitas vezes superior ao que a Justiça brasileira costuma determinar em casos como este”.