Por Prof. Dr. Marcus Wagner de Seixas
Em todo o país, é comum ouvir histórias de empreendedores e consumidores que negociaram, pagaram suas dívidas, limparam o nome, mas continuam enfrentando barreiras silenciosas e persistentes para acessar crédito. O nome está limpo nos cadastros tradicionais como Serasa ou SPC, mas ainda pesa contra essas pessoas uma marca invisível: o histórico financeiro registrado no Registrato, sistema do Banco Central do Brasil.
Pouco conhecido do grande público, o Registrato é uma plataforma que armazena o histórico de operações de crédito de todos os cidadãos junto ao sistema financeiro nacional. A ideia, em teoria, é boa: promover mais transparência. Mas na prática, tem se tornado uma verdadeira lista negra silenciosa, mantida e usada por bancos para restringir crédito mesmo de quem já regularizou sua situação.
Em outras palavras, paga-se a dívida, mas não se paga o estigma. O registro permanece, influenciando algoritmos, bloqueando propostas de financiamento e, na prática, impedindo a retomada da vida econômica de milhões de brasileiros. Um microempreendedor que renegociou suas dívidas em 2020, por exemplo, pode até ter quitado tudo, mas ainda assim será visto como um “risco elevado” apenas por seu histórico constar nesse banco de dados.
Essa prática fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e levanta sérias questões sobre direito ao esquecimento financeiro, proporcionalidade e recuperação econômica. Afinal, se o cidadão já arcou com suas responsabilidades e limpou seu nome nas instâncias legais, por que ainda é punido com base em dados mantidos fora do debate público, sem direito à reinterpretação nem prazo de caducidade efetiva?
Outro ponto preocupante é a falta de transparência sobre o uso desses dados pelas instituições financeiras. O consumidor raramente é informado de que sua recusa de crédito teve como base um relatório interno alimentado por registros antigos, mesmo que sua situação atual seja estável. O uso do Registrato precisa ser regulamentado com mais rigor, garantindo acesso, correção e interpretação equilibrada dos dados, respeitando o contexto e o esforço de regularização do cidadão.
É fundamental que o Poder Legislativo e o Banco Central avancem na criação de mecanismos de reabilitação financeira efetiva, que permitam ao consumidor e ao pequeno empresário retomar sua trajetória de forma justa. Não se trata de apagar o passado, mas de reconhecer que pessoas mudam, aprendem e recomeçam.
O Brasil não pode ser uma nação onde a penalização econômica é eterna. Negociar e pagar deve ser sinônimo de reconquista de direitos, e não de exclusão perpétua.
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Marcus Wagner de Seixas é Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, com extensão pela Universidade de Oxford. Professor de Direito do Consumidor da UFF / Campus Volta Redonda e pesquisador financiado pelo CNPq.