Funcionária relata excesso de corpos em necrotérios do Hospital Regional e falta de equipamento e de pessoal

Por Carol Macedo

VOLTA REDONDA
Sem equipamento de segurança completo, funcionários abaixo do necessário, trabalhadores tendo crises de pânico e não retornando mais no dia seguinte, corpos esperando em leitos um espaço nos necrotérios. Essa tem sido a realidade de quem trabalha no Hospital Regional Zilda Arns, localizado em Volta Redonda, durante essa pandemia de Covid-19. No último sábado, 25, a taxa de ocupação do local divulgada pela Secretaria Estadual de Saúde era de 75% em seus leitos de UTI. Na sexta-feira, 24, a informação era que a taxa estava em 51%, um crescimento de 24% de um dia para outro. O Hospital Regional, localizado em Volta Redonda, até sábado, era o único da rede estadual que ainda tinha vaga para receber pacientes. Durante a tarde foi inaugurado o primeiro hospital de campanha do Rio de Janeiro, com 30 dos 200 leitos previstos.
O A VOZ DA CIDADE conversou com uma profissional da saúde que está no Hospital Regional mesmo antes dele ter indicação para atendimento somente de pacientes com Covid-19. Ela contou que atualmente funcionam três UTIs, com 50 leitos e não 80 como estão divulgando. Havia expectativa de abrir outra UTI com mais 20 leitos, sem ainda profissionais. No hospital tem também uma clínica médica que estava até o final da semana com 51 pacientes. Segundo ela, se em cada UTI tiver dois leitos vagos seria muito.
Desde o início, até hoje, a maior parte dos pacientes no Hospital Regional não é da região. E muitos funcionários deixaram o local por medo de trabalhar com coronavírus. “Teve plantão que 12 pessoas se demitiram, antes mesmo de chegar pacientes com a doença. Os trabalhos começaram com equipes desfalcadas. Tem técnico de enfermagem, por exemplo, que deveria por lei atender dois pacientes na UTI e precisa atender sete. Eles até chamaram profissionais, mas muitos não conseguiram passar em um teste, que é simples. Além disso, o salário é muito baixo, então quem vai querer trabalhar em um local onde a contaminação é alta, recebendo tão pouco? A princípio eu não achava que fosse ser tanta gente assim (pacientes), ainda mais em um hospital que não estava equipado ainda. Se continuar do jeito que está as pessoas não vão dar conta e muitos vão começar a se contaminar”, disse a fonte entrevistada.
FALTA DE EQUIPAMENTO
E a possibilidade de contaminação é real. Atualmente o macacão de proteção aos profissionais está em falta. Cada um precisa estar com óculos, máscara e capacete, que estão sendo de uso individual. Já os macacões precisam ser colocados quando entram na UTI e tirados quando saem. “O macacão foi substituído por um capote, de um tecido um pouco mais grosso, deve ser mais barato, só que ele não tem a proteção do macacão. O risco de contaminação é maior. Já tivemos plantão que nem esse capote tinha e tivemos que improvisar com macacão cirúrgico, que é de tecido, com um nível de contaminação ainda maior”, contou, frisando que testes não são disponibilizados para os funcionários, a não ser se alguém tiver algum sintoma. Segundo a fonte, até agora, da equipe, apenas um profissional apresentou sintoma e fez por um hospital particular, mas ainda não saiu o resultado.
Há vários momentos do dia em que os funcionários estão sujeitos a contaminação, ainda mais sem o equipamento necessário. A pessoa entrevistada contou que ao fazer ressuscitação o tubo já soltou, ao receber pacientes do Rio a mesma coisa, e com isso o vírus se espalha no ambiente.
Ela denunciou ainda que falta organização dos hospitais do Rio de Janeiro. Já chegou paciente com prontuário trocado, faleceu, família foi chamada e quando foi reconhecer não era o familiar, ele estava vivo em hospital no Rio. “Estão querendo desafogar os hospitais, estão mandando pacientes sem conferir. Já tivemos situações de sair correndo para socorrer paciente que estava sem oxigênio dentro da ambulância”, enumera.
‘ATÉ HOJE NENHUMA CURA NA UTI’
Os pacientes que chegam no Hospital Regional Zilda Arns para UTI, segundo a profissional de saúde, já estão em um estágio avançado da doença. Aliás, poucas são as confirmações de coronavírus, mas ao que tudo indica são pessoas infectadas. “As pessoas que chegam já estão muito graves, em ventilação mecânica, já estavam internadas em outros lugares. Até o momento não tivemos nenhuma alta na UTI. Na clínica são poucos os pacientes que precisam ir para UTI. Lá estão 51 pacientes para apenas três funcionários. Os de UTI estão morrendo muito rápido, 72 horas, não conseguimos tempo de reverter, mesmo com todos os medicamentos que temos. Não tem tempo para tratamento”, contou. O hospital regional foi entregue para funcionamento para coronavírus no dia 24 de março, ou seja, há mais de um mês.
CORPOS EM NECROTÉRIO
Dentro do Hospital Regional são dois morgues – necrotérios. Outro terceiro foi improvisado. Em cada um estão nove corpos, ou seja, 27. O caminhão frigorífico enviado para o local não está sendo usado. A informação é que ele foi colocado em lugar errado, de frente para uma rua. Enquanto isso, segundo a profissional de saúde, com os morgues cheios, as pessoas que estão morrendo estão tendo que ficar nos leitos a espera de vaga. O carro da funerária não está dando conta de levar os corpos, em sua maioria para a capital ou Região Metropolitana. “As famílias são simples e não têm condições de fazer o traslado. Tem paciente que está no necrotério há mais de cinco dias, começando a dar cheiro”, denunciou.
Segundo a pessoa, há a previsão de contratação de maqueiros, enquanto isso, são os funcionários que estão ajudando a colocar os corpos dentro dos necrotérios, dos carros da funerária.
DOENÇA NÃO ATINGE APENAS IDOSOS
Um dado foi apresentado pela pessoa ouvida pelo jornal. Segundo ela, a maioria que está vindo a óbito no hospital tem menos de 50 anos, em muitos casos não existe uma comorbidade definida. “Pode ter acometido mais idosos em outros países, mas não é o que temos visto no regional, no estado. Se eu pudesse fazer um vídeo da nossa rotina, seriam cenas de terror. Uma pessoa morre e já tem duas para entrar no lugar. Até onde sabemos, o isolamento social é o único meio de não proliferar, de não passar para outras pessoas, então façam o isolamento. Está sendo tudo muito triste. Nunca vi isso na minha vida”, falou.
A pessoa disse que até entra no plantão tranquila, mas no decorrer do dia precisa sair um pouco da UTI, respirar um pouco, colocar a cabeça no lugar. “São tantos pacientes que as vezes entramos sem uma luva, chegamos sem equipamentos. Não é só o medo de nos contaminar não, mas de levar a doença para casa. Chego no final do plantão e sinto que estou imunda. Saio me observando, se estou com pigarro, tossindo, com falta de ar. Passando 24 horas com máscaras me sinto sufocada”, mencionou.
RESPOSTAS
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Saúde foi procurada pela equipe de reportagem que solicitou respostas quanto a falta do macacão para os funcionários, a demora no recolhimento de corpos, baixos salários, falta de profissionais. Foi solicitada ainda uma atualização sobre o percentual dos leitos ocupados até o final da tarde de domingo. Nenhuma resposta foi enviada até a publicação dessa reportagem.

 

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3 Comentários

Felipe Carvalho 27 de abril de 2020, 11:14 - 11:14

Uma vergonha! Esses profissionais deviam ter o máximo de atenção e apoio. Estão combatendo a doença de frente! E não tem o retorno financeiro e de prevenção de contaminação necessários.

Nina 27 de abril de 2020, 19:30 - 19:30

E o Ministério Público que só se mete onde não é da conta???? Porque não fez algo???? Sr. Prefeito, porque não colocou a funerária municipal para ajudar???? Se fosse qualquer outro na administração municipal já tinha feito isso!!!!
PODEM NÃO SER MORTOS DE VOLTA REDONDA MAS, OS VIVOS QUE TRABALHAM LÁ SÃO!!!!!

Nilson machado do pinho 28 de abril de 2020, 06:23 - 06:23

Este governador é um lixo.

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