Vacinação: Porque alguns pais não vacinam seus filhos?

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SUL FLUMINENSE

Os baixos índices de imunização de crianças no Brasil acenderam o alerta em especialistas. Mas afinal, quais os motivos por trás da decisão de pais que não vacinaram os filhos? Para Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, um dos motivos que explicam o menor índice em 16 anos de cobertura de vacinação em crianças menores de um ano é o fato de que as vacinas estão culturalmente vinculadas à percepção de risco da doença.

Quando se trata de doenças erradicadas, a população tem mais dificuldade de enxergar seus perigos. Renato destaca a dados de cobertura da vacina contra a gripe, em 2016, que em três semanas atingiu a meta de 80% de cobertura, quando houve um surto da doença. “Hoje isso não seria possível nem em três meses”.

Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, nos últimos dois anos a meta de ter 95% da população-alvo com menos de um ano vacinada não foi alcançada. Dentre as vacinas do calendário infantil, apenas a BCG teve índices satisfatórios em 2016 e 2017. A vacina Tetra Viral, que previne o sarampo, caxumba, rubeóla e varicela, apresenta o menor índice de cobertura: 70,69% em 2017. Seguido da vacina de Rotavírus Humano que ficou 20% abaixo da meta.

Mas por que os pais deixam de vacinar os filhos? Para o clínico geral, Rubens de Sá, um fator para a não vacinação é a falta de informação, muita das vezes a população e até os profissionais da área da saúde não conhecem a doença para qual precisam se imunizar e consequentemente não entendem seus riscos. “Doenças como rubéola, sarampo e poliomelite foram erradicadas, e não são mais vistas, dificultando que as pessoas enxerguem o risco. Muitas vezes até profissionais da área de saúde deixam de fazer recomendações mais enfáticas também por esta falta de percepção”, destaca, acrescentando que os pais que não vacinam são aqueles que aderem a iniciativa à causa por questões religiosas, de modismo ou naturalismo. Há também quem siga a linha da medicina alternativa e acredite que adoecer é melhor do que se proteger pela vacina.

Ele destaca que no Brasil a vacinação das crianças é obrigatória desde os anos 70, garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. “Mas, apesar de configurar um crime passível de prisão, os pais que optam por não vacinar os filhos costumam sofrer punições diferentes, como advertências, e, em alguns casos, até mesmo a perda da guarda ou destituição da tutela”, destaca.

Independentemente da legislação, dados do Ministério da Saúde divulgados no segundo semestre de 2017 mostram que a taxa de imunização foi a pior dos últimos 12 anos: 84%, ante a meta de 95% (recomendada pela OMS).

Uma pesquisa realizada com mais de 65 mil pessoas em 67 países investigou a confiança na segurança e eficácia das vacinas, assim como a percepção da importância das vacinas e sua compatibilidade com crenças religiosas. A análise, publicada na revista EBioMedicine, foi conduzida em colaboração com o Imperial College London (Inglaterra) e a National University of Singapore (Cingapura), com os dados do instituto de pesquisa WIN/Gallup. E as respostas do público brasileiro corroboram o que diz o médico: no Brasil, 70% da população acredita e confia na vacina. Apenas entre 4% e 6% é contrária a ela.

OITO MITOS

  1. ‘Vacinas podem causar autismo’

A queda nos níveis de imunização em países ocidentais nas últimas décadas tem sua origem, de forma mais ampla, em uma polêmica criada pelo cirurgião britânico Andrew Wakefield. Em um artigo publicado em 1997 no prestigiado periódico médico The Lancet, Wakefield argumentava que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola estaria por trás do aumento de casos de autismo entre crianças britânicas.

Ainda assim, suas alegações — ainda que já desmistificadas — tiveram repercussão suficiente para derrubar as taxas de imunização contra sarampo, caxumba e rubéola no Reino Unidos de 92% em 1996 para 84% em 2002. Daquele ano em diante, os níveis voltaram a subir e chegaram a 91%, ainda abaixo do recomendado pela OMS, contudo, de 95%.

  1. ‘O sistema imunológico das crianças não suporta tantas vacinas’

Há pelo menos 11 vacinas recomendadas a bebês e crianças de até dois anos de idade. Alguns pais consideram esse número elevado e temem que a imunização na primeira infância sobrecarregue o sistema imunológico dos filhos. Uma preocupação recorrente é o fato de que muitas vacinas funcionam inoculando vírus ou bactérias causadores de doenças no corpo, ainda que atenuados.

“Recém-nascidos desenvolvem a capacidade de responder a antígenos (substâncias capazes de estimular uma resposta imunológica) ainda antes de virem ao mundo. Com apenas algumas horas de nascidos eles são capazes de estruturar uma resposta imunológica às vacinas”, escreveu o pediatra americano Paul A. Offit em um dos mais conhecidos trabalhos de revisão de dados científicos disponíveis sobre a relação entre múltiplas vacinas e o sistema imunológico de crianças.

  1. ‘Muitas doenças já estavam desaparecendo quando as vacinas surgiram’

A discussão aqui é a de que a melhoria das condições socioeconômicas — na nutrição e na infraestrutura de saneamento, por exemplo — teriam sido tão eficientes quanto as vacinas no decorrer do tempo. Mas a imunização não apenas melhorou as taxas de sobrevivência: também contribuiu para a redução dramática no número de casos da doença nos cinco anos após o surgimento da vacina, de 1963 a 1968.

As informações disponíveis hoje sinalizam que uma redução nos níveis de imunização podem levar ao ressurgimento de doenças — nos anos 1970, Japão e Suécia registraram um salto no número de casos e de mortes de outra doença evitável, a coqueluche, depois de uma temporada de menor vacinação das crianças.

  1. ‘A maioria das pessoas que adoece foi vacinada’

Adeptos do movimento anti-vacina usam esse como um dos argumentos contra a imunização. Nenhuma vacina é 100% eficaz e a OMS afirma que a maioria das rotinas de imunização infantil funciona para 85% a 95% dos recipientes. Pessoas não vacinadas, na verdade, costumam adoecer com maior frequência.

  1. ‘As vacinas são um grande negócio para a indústria farmacêutica’

O economista especializado em saúde da OMS Miloud Kadar estima que o mercado global de vacinas valia US$ 24 bilhões em 2013 — menos de 3% do valor total do mercado farmacêutico naquele mesmo ano.

Um estudo conduzido pela Universidade Johns Hopkins em 2016 estimava que, para cada dólar investido em vacinação nos 94 países de menor renda média do planeta, poupava-se US$ 16 em despesas no sistema de saúde, em perdas salariais e perdas com produtividade causadas por adoecimento e por morte.

  1. ‘Meu país praticamente erradicou essa doença, então não preciso me vacinar’

Ainda que a vacinação tenha reduzido a incidência de doenças evitáveis em vários países, isso não significa que elas estejam sob controle sob uma perspectiva global. Casos de sarampo na Europa triplicaram entre 2017 e 2018 e chegaram a quase 83 mil — o maior número nesta década.

  1. ‘Vacinas contêm toxinas perigosas’

Outra preocupação dos pais que se sentem inseguros em relação a vacinar os filhos é o uso de substâncias como formaldeídos, mercúrio e alumínio na produção das vacinas. Se consumidas em determinado nível, essas substâncias fazem mal à saúde — não, porém, na quantidade presente nas vacinas.

De acordo com a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, agência local de controle e regulamentação de alimentos e remédios, uma vacina padrão que utiliza mercúrio na composição tem uma concentração de 25 microgramas do elemento a cada 0,5 ml. A agência afirma ainda que essa é a mesma quantidade de mercúrio contida em 85g de atum em lata.

  1. ‘Vacinas são uma conspiração’

A crença de que as vacinas são parte de um plano para atacar populações civis ainda persiste.No norte da Nigéria, a luta contra a poliomielite é prejudicada pela crença de que a imunização poderia causar infertilidade em garotas e disseminar HIV — ataques contra profissionais da saúde não são incomuns no país. O mesmo tipo de desinformação é observado no Afeganistão e no Paquistão, que, ao lado da Nigéria, são os únicos países em que o vírus que causa paralisia infantil continua endêmico.

 

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