SUL FLUMINENSE/BRASÍLIA
CAROL MACEDO
No ano passado o Brasil e outros países conheceram, algumas famílias de maneira trágica, o desafio da Baleia Azul, que envolveu crianças e adolescentes e tinha como suposta etapa final o suicídio. A onda passou, mas como lendas urbanas existem desde os primórdios, um novo jogo já está rodando o mundo por redes sociais e aplicativos. Trata-se da Momo, uma personagem de aparência aterrorizante, com olhos esbugalhados, pele pálida e sorriso sinistro. A principal disseminação do jogo tem sido pelo WhatsApp, onde o desafio viral já se espalhou por vários países.
As crianças e adolescentes são desafiadas a começar a se comunicar com um número desconhecido. Ao enviar mensagem à Momo, a resposta vem com imagens violentas e agressivas. Participantes já relataram ter recebido ainda resposta com ameaças. O novo viral começou a ser compartilhado em julho aqui no Brasil, depois de chamar a atenção das autoridades em países como Argentina, México, Estados Unidos, França e Alemanha.
Em alguns locais do país a polícia já investiga se mortes têm alguma relação com a Momo do WhatsApp. Em Várzea Paulista, São Paulo, um menino de 12 anos se matou no final do mês passado. Outro caso que está sendo investigado é a morte em Natal, Rio Grande do Norte, de uma menina, também de 12 anos. Os amigos contaram que ela cortava o corpo e estava nesse jogo da Momo. Um menino de nove anos se suicidou no quintal sua casa, em Recife, Pernambuco. A mãe do menino disse que ele estaria participando de um jogo e teria sido induzido a se enforcar. Em Caruaru, Pernambuco, duas meninas de nove anos foram parar no hospital depois de tomarem remédios. Em seus corpos, cortes espalhados. Elas sobreviveram e mensagens e vídeos nos celulares das duas indicavam que participaram do desafio da boneca Momo.
DE ONDE VEIO?
Mas como ela surgiu? A Momo tem origem japonesa e pertence a uma escultura de uma mulher pássaro que foi exposta em 2016 numa galeria de arte em Ginza, um luxuoso distrito de Tóquio, e que fez parte de uma exposição sobre fantasmas e espectros.
O usuário de WhatsApp que criou a Momo não será localizado com tanta facilidade. Sabe-se que está vinculado a pelo menos três números de telefone que começam com 81, código do Japão, e dois latino-americanos, um da Colômbia (52) e outro do México (57).
RISCOS DO JOGO
Além do risco do incentivo ao suicídio, especialistas advertem que pode ser também usado por criminosos pra roubar dados e extorquir pessoas na internet. Especialistas alertam cinco razões perigosas do jogo da Momo: roubo de informações pessoais; incitação ao suicídio ou à violência; assédio; extorsão; transtornos físicos e psicólogos – ansiedade, depressão, insônia.
O desabafo de uma mãe
Halla Cristina é a mãe de um menino autista de oito anos. Moradora de Rondônia ela utilizou sua página no Facebook, no final do mês passado, para fazer um alerta aos pais. Disse que estava fazendo o vídeo para alertar os pais a respeito do Jogo da Momo. Até na finalização dessa reportagem, o vídeo já contava com 17 mil comentários e 87 mil compartilhamentos. Ao A VOZ DA CIDADE disse que autorizaria a reprodução de trechos do seu vídeo para que crianças fossem salvas.
Halla contou que estava na sala quando ouviu um vídeo que seu filho estava assistindo ensinando como se matar. “A internet está aí para destruir as pessoas, o vídeo invade as redes, a criança pode estar assistindo um desenho e aparece. Infelizmente não acompanhei tudo ainda o que ele assistiu, mas foram diversos vídeos. Estou fazendo isso para alertar vocês que são mães. Quase perdi meu filho. Peço a vocês para acompanharem seus filhos. Eu não acompanhei o meu”, lamentou.
Falando sobre como é difícil ser mãe e ainda trabalhar fora, ela faz uma importante constatação do mundo moderno tecnológico. “Esse é o quarto celular que dou para meu filho e infelizmente não está certo. As crianças fazem o que querem na internet, mas que isso possa servir de alerta”, disse.
E para quem pensa que a essa disseminação do jogo ainda não chegou na região, engana-se. As escolas já estão tratando com crianças e jovens sobre esse jogo da Momo. Aos 11 anos, uma criança de Barra Mansa que não terá o nome divulgado, e estuda em escola particular, já ouviu falar do jogo. Disse ao jornal que não tinha procurado saber porque sabe que a ‘moda’ ia passar, mas que os amigos já comentam na escola sobre. Outro, de 14 anos, também de Barra Mansa, aluno da rede pública, contou que ficou curioso e assistiu alguns vídeos da Momo. Ainda não teve coragem de adicionar no WhatsApp, mas destaca que “qualquer hora pode fazer”. Questionado sobre se falaria com seus pais a respeito, disfarçou e disse que eles iriam brigar. Ainda perguntado se os pais controlam o que ele vê na internet, foi direto: “Não sabem nada que faço”.
“Estamos numa geração emocionalmente doente, começando pela família”
Flávia Sampaio é pedagoga, trainer do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) de Reuven Feuerstein e tem MBA em Gestão Educacional. Ao jornal disse que a família é a base de tudo, mas que ela passa por sérios problemas. “Estamos numa geração emocionalmente doente, começando pela família”, afirmou.
O excesso de liberdade, a falta de criação de vínculos familiares e a grande oferta tecnológica, tem feito aumentar o número de crianças que são atraídas a participar de jogos como da Momo. “Nunca tivemos tantas crianças e adolescentes que cometem suicídio, uma incidência tão grande de síndrome do pânico e depressão infanto-juvenil”, avisa a pedagoga.
Segundo Flávia Sampaio, a família é quem educa, mas a escola tem grande papel e, muitas vezes, pode salvar vidas. Ela esclareceu os pontos que podem ser trabalhados nas unidades escolares para identificar crianças e adolescentes que podem estar envolvidas em jogos como esse.
Para o grupo menor, de seis a nove anos, destacou que a estrutura familiar é o principal ponto. Com a modernidade, falta tempo da família com os filhos, mas a qualidade dele também não está sendo bem aproveitada. Na escola, o principal é a criação, construção e manutenção do vínculo afetivo, que vai fazer a criança contar algo para a professora.
Já para os pré-adolescentes e adolescentes, a partir de nove anos, além do vínculo afetivo, é preciso abrir para o debate e pesquisa. “O professor tem que estar atento ao comportamento dos estudantes e ainda as coisas que acontecem na sociedade. Porém, em todos os grupos o acompanhamento familiar é o mais importante. Criem vínculos, passem tempo de qualidade com os seus filhos, escutem o que eles têm a dizer. Hoje os pais falam e não escutam”, destacou Flávia Sampaio.
INTERNET – A ARMADILHA MORTAL
A qualidade do tempo entre pais e filhos também foi colocada em evidência pela psicóloga Janine Procópio Muniz. Ela, que é formada em ênfase em gestão de processos pelo Centro Universitário de Barra Mansa (UBM) e pós-graduada em psicanálise pelo Unisal, de Lorena, atua em clínica infanto-juvenil e adultos desde 2012 em consultório particular e em órgãos de assistência social de Volta Redonda. “Os tempos atuais e a correria do dia a dia, múltiplas funções e a busca incessante, fez com que os pais contemporâneos usassem de toda a acessibilidade e o que seria um playground perfeito se tornasse uma armadilha mortal. Perdeu-se o concreto, fator importantíssimo para relacionamento entre pais e filhos, olhos nos olhos, toque, presença física. Essas coisas fazem toda a diferença e não requer tanto tempo, o segredo é a qualidade do tempo que se passa com os filhos”, argumenta.
Segundo Janine, é preciso que os pais percebam alguns sinais que crianças ou adolescentes dão de que estão em perigo, como mudanças no comportamento e no físico – isolamentos, hábitos noturnos, agressividade como forma de defesa, mudança na maneira de se vestir, optando por roupa fechada até mesmo no calor. De acordo com a psicóloga, aumentou o número de pais que levam os filhos a consultórios de psicólogos, não apenas pelos jogos, mas também à indisciplina e a compulsão por internet.
Ela conta que não atendeu especificamente a crianças e adolescente envolvidas em jogos como da Momo ou Baleia Azul, mas viciadas nesse mundo virtual. “A busca por aprovações pessoais nas redes sociais os torna fragilizados e vulneráveis podendo sofrer abordagem de pessoas perigosas e sentimentos de desvalia gerando transtornos de personalidade, autoimagem e compulsões”, concluiu.
DICAS DE SEGURANÇA DA POLÍCIA FEDERAL PARA OS PAIS:
- Estreitar o vínculo de amizade e cumplicidade com seus filhos e sempre perguntar sobre as atividades desenvolvidas no dia;
- Ter conhecimento básico de internet e computação, principalmente sobre redes sociais, para instruir os filhos;
- Supervisionar o acesso dos filhos à internet de forma discreta e não ostensiva. Melhor caminho é sempre o diálogo e orientação;
- Alertar e conscientizar os filhos sobre os perigos que existem na internet;
- Importante a conscientização para não compartilharem de maneira exagerada informações pessoais;
- Ter o consentimento da criança e do adolescente para acessar o perfil nas redes sociais;
- Deixar, se possível, o computador num cômodo público e visível da casa para que, em qualquer momento, possa ser visualizado o que os filhos estão acessando;
- Não permitir que os filhos fiquem muitas horas conectados à internet.
DICAS DE SEGURANÇA PARA OS FILHOS:
- Nunca incluir nas redes sociais informações pessoais de maneira exagerada;
- Não postar fotos em excesso;
- Nunca incluir desconhecidos em contatos;
- Preservar a intimidade ao máximo.