QUATIS
A Associação Quilombola de Santana, sob a coordenação da professora Clarete Patrocínio, apresenta o Projeto ‘Turismo Quilombola’, uma ação afirmativa que visa não só o conhecimento local, como também explorar, aprender e ensinar sobre a cultura afrodescendente. Valorização das comunidades de matrizes africanas e quilombolas como parte da tradição oral, no qual a aprendizagem por meio da memória, cultura e corporeidade são conjuntos que favorecem o ensino e a aprendizagem.
O turismo quilombola, também chamado de ‘Etnoturismo’, ou mesmo de ‘Etnoturismo de base comunitária’, visa o desenvolvimento sustentável da comunidade remanescente do Quilombo de Santana, em Quatis.
A ação tem como objetivo, por exemplo, manter o estilo de vida do povo quilombola respeitando sua arte, cultura e suas tradições para que toda a rotina diária esteja a alcance de turista e com objetivo de gerar alguma renda para comunidade, melhorando assim o poder aquisitivo das pessoas do local.
Nesse projeto, os turistas ficarão imersos, por alguns dias, presenciando o cotidiano daquelas pessoas, seus valores e práticas, se integram seu cenário, o seu dia a dia, seus costumes, que são passados de geração em geração.
A iniciativa está sendo desenvolvido pela professora, psicomotricista, implementadora e coordenadora do Projeto ‘Vem para Roda’, que já está sendo executa na comunidade de Santana, Clarete Patrocínio, com auxílio da professora Eunice Sampaio, mestranda na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisadora de comunidades quilombolas. A ação busca desenvolver meios de abrir um vasto leque que existe no estado do Rio, e que é esquecido por todos, inclusive pelos governantes, mas que possui uma rica história.
As professoras buscam levar este projeto para outras comunidades da região, como a comunidade quilombola do São José da Serra em Valença.
O projeto busca, também, contribuir para que conhecimentos da vida dos quilombolas, como: alimentação, plantas medicinais e crenças passem a ser enxergado não mais pelo olhar do colonizador e sim, desmistificar a questão do racismo e discriminação que permeiam a vida dos remanescentes quilombolas.
Oportunizando as crianças, jovens, adultos e idosos a adquirirem o conhecimento da história do quilombo e fortalecendo a relação das comunidades da região com os quilombolas. A visita realizada pelos turistas aos quilombos poderá ser recheada de saberes, sabores e cultura. É realizando sempre uma apresentação do jogo de capoeira, jongo e através dessas apresentações que os visitantes aprendem e constroem conhecimentos sobre a história da comunidade remanescente quilombola.
Esse resgate da história se dá através dos mais velhos, aqueles que são os mestres em sabedoria e que dessa forma perpassam seus saberes.
“O lúdico está presente, pois a corporeidade faz parte da tradição africana. Brincando em torno daquela cultura e sua história, nos auxiliará a criar procedimentos, processos e ações que elevaram a consciência e empoderamento dos povos afrodescendentes, bem como a criação de renda para que os quilombolas, através de seus trabalhos, da sua alimentação e recepção possam ter um recurso financeiro e conduzir todo este processo visando a diminuir os preconceitos existentes pela falta de conhecimento”, disse Claudete.
Clarete Patrocínio em sua caminhada pelas comunidades quilombolas do estado do Rio de Janeiro disse que procurou observar o cotidiano dessas comunidades e pensou num projeto que pudesse contribuir para que a comunidade ganhasse maior visibilidade. “Partindo desse preceito, nasceu a ideia do turismo quilombola, que traz o conhecimento teórico e prático sobre as comunidades de matrizes africanas e da nossa ancestralidade. Tenho uma caminhada já de 15 anos acompanhando o movimento de pessoas e atividades que aconteciam na comunidade do Quilombo de Santana em Quatis”, comentou.
Ela destacou que desde 2015, é atuante na comunidade com as crianças quilombolas. “Tenho observado que o turismo quilombola pode trazer a comunidade uma forma de sustentabilidade tanto como pessoas integrantes de uma comunidade ancestral, como também da economia. Lembrando que tudo isso faz parte da nossa história afro-brasileira, que dessa forma, valorizaremos a cultura das nossas raízes como: o jongo e a capoeira. Cada comunidade tem a sua própria prática cultural que fortalece assim a formação de sua identidade”, disse a professora.
Na comunidade de Santana, na qual já desenvolve o Projeto ‘Vem para a Roda’, ela trabalha músicas e a cultura africana. “Nessa comunidade trabalho com o desenvolvimento de músicas e práticas culturais africanas, mas, observo que essa identidade precisa se reflorescer em suas práticas culturais e na agricultura. Observei ainda este ano, no trabalho que é desenvolvido na escola de Santana, com a professora Angélica, que a escola para a comunidade, foi um ganho enorme na forma de como as crianças passaram a se relacionar com a sua própria história, começaram a valorizar a história e cultura africana e afro-brasileira”, citou, afirmando que é uma experiência rica que exige do visitante maturidade, respeito e abertura para um encontro mais profundo com os quilombolas.
Clarete Patrocínio disse que o projeto visa mostrar para a sociedade o que é a cultura e a vivência quilombola, sua ancestralidade, sua história, sua oralidade, o modo de viver, suas lutas e resistências. Ela contou ainda que o projeto do ‘Etnoturismo’ ou o Etnoturismo de base comunitária busca, com apoio da sociedade, valorizar as culturas desse povo. “Pretendemos construir, em parceria com a comunidade e cidades vizinhas uma articulação para valorização da cultura africana e afro-brasileira, resgatando assim a memória coletiva da região e as contribuições dos negros para a constituição da sociedade brasileira. Valorizando todos os conhecimentos desde África até na diáspora brasileira”, comentou.
Para Eunice Sampaio, o projeto é de grande importância, não apenas para as comunidades quilombolas, mas também para sociedade. “É muito importante o reconhecimento e a celebração das comunidades remanescentes quilombolas, destacando a importância de sua cultura e do modo de vida tradicional, para que dessa forma, eles consigam mais visibilidade garantindo assim seus direitos às políticas públicas e assim, muitos possam sair da situação de vulnerabilidade”, reconheceu.
A pesquisadora destacou, ainda que, é através do conhecimento que será possível formar uma sociedade menos racista. “Apenas através do conhecimento será possível conseguir a formação de uma sociedade menos racista, que respeite as diferenças e que valorize todas as contribuições dos negros na formação da sociedade brasileira. Somos o segundo país com maior população negra no mundo e ainda estamos valorizando apenas o que veio da Europa. A África é o berço da humanidade e os quilombolas são o exemplo de força ancestral e de resistência em cima de uma sociedade que desconsidera essa parte da história”, comentou.
PROJETO PILOTO DE VISITAÇÃO
A primeira visita feita a uma comunidade seguindo os preceitos do Projeto ‘Turismo Quilombola’ foi com a turma do Projeto Pequeno Herói – Brigadista Mirim, de Volta Redonda que atende crianças com idade entre sete e 14 anos, que exerce como instrumento, atuando com foco na promoção da qualidade de vida, prevenção da criminalidade e da violência, através de um conjunto estruturado de políticas públicas voltadas para a inclusão social, integração e mobilização comunitária.
A coordenadora Pedagógica do projeto Priscila de Souza Soares, que acompanhou o grupo contou que o Projeto ‘Turismo Quilombola’ vai de encontro aos valores trabalhados no projeto Pequeno Herói, pois eles também estão pensando na inclusão social, e mostrar as diferenças culturais para que elas sejam respeitas. “Por conta desse interesse mútuo que visualizamos nesse projeto da professora Clarete visitamos o Quilombo de Santana, em Quatis. Foi uma experiência bastante produtiva e intuitiva para os participantes do nosso projeto. Elas tiveram a oportunidade de conhecer, aprender e visualizar como os escravos viviam, aprenderam um pouco de sua cultura através da dança, instrumentos utilizados e a capoeira”, comentou Priscila acrescentando que o projeto além de trabalhar o lado cultura possibilita aos visitantes o contato direto com a natureza.
A coordenadora contou que o grupo foi muito bem recebido pela comunidade quilombola. “Fomos bem recebidos por todos nos pequenos brigadistas participaram de um bate-papo com a senhora Olga, considerada a mais idosa do vilarejo. As crianças fizeram várias perguntas para entender como foi à vida dos escravos no período da escravidão, com isso elas tiveram mais um aprendizado sobre o que já trabalhamos no nosso projeto, a valorização da família, respeito aos mais velhos, respeito ao próximo, valorizar e respeitar o trabalho em equipe” acrescentou Priscila.
Após o bate papo, onde os alunos conheceram um pouco sobre a comunidade, seguimos o local onde eles, os quilombolas, jogam a capoeira. “Seguimos em caminhada por uma trilha para chegarmos até o local onde eles jogam a capoeira e acontecem às danças. Nesse local as crianças se divertiram bastante junto com os pais e os moradores da região. Foi uma grande festa. Foi uma experiência muito rica, não apenas para as crianças, mas também para todos os adultos que participaram da visitação” acrescentou à coordenadora.
O QUILOMBO DE SANTANA
Santana é uma comunidade rural situada a cerca de 10 quilômetros da sede do Município de Quatis. Parte dos moradores descende dos negros que receberam, em 1903, o título de doação de suas atuais terras. Essas terras faziam parte de uma antiga fazenda do Barão do Cajuru, local em que os ancestrais dos quilombolas de Santana, vindos de Minas Gerais ou comprados de outros mercados, trabalhavam como escravizados. Além das doações de terras, Santana conta com uma área chamada de ‘Terra da Santa’.
A filha do Barão recebeu a fazenda como herança e foi responsável pelas doações aos ex-escravizados e pela criação da ‘Terra da Santa’. Os moradores do quilombo se sentem responsáveis por cuidar dessa que é a terra de Sant’Ana. No local, existe uma capela em homenagem à santa.
O cemitério da antiga fazenda era cercado por uma muralha. Em seu interior foi construída uma capela, provavelmente em 1867, a julgar pela data entalhada no batente de pedra de sua porta. O túmulo do Comendador Manoel Marques Ribeiro, que na memória coletiva é o Barão do Cajuru, está localizado nos fundos dessa capela. A capela foi erguida a mando da filha e do genro do Barão do Cajuru, em honra a Sant’Ana.