BRASÍLIA/SUL FLUMINENSE
No Brasil, os homens homo ou bissexuais, só podem fazer doação sanguínea se passarem um ano sem transar com outro homem. Portarias do Ministério da Saúde e Anvisa, impedem a doação de sangue por homens que, até 12 meses antes, “tiveram relações sexuais com outros homens e/ou parceiras sexuais destes” (Chamados também de HSH). A justificativa para esta norma é este grupo está enquadrado no chamado de ‘comportamento de risco’, que são práticas adotadas que aumentam a probabilidade de contrair uma doença sexualmente transmissível (DST).
No entanto, existem questionamentos a respeito desta norma, onde pessoas consideram as portarias da Anvisa e o Ministério da Saúde, inconstitucionais. Algumas das questões levantadas são que, mesmo com um parceiro fixo, onde ambos têm os exames em dia, a possibilidade de este grupo doar é nula. Outro questionamento levantado é que o real comportamento de risco é o sexo sem camisinha e com rotatividade de parceiros, comportamento qual, tanto homens homossexuais, quanto heterossexuais, estão sujeitos. Além de qualquer um poder mentir sobre não ter relações sexuais com homens, tornando assim, a triagem ineficaz.
A POLÊMICA CHEGA AO STF
Até 2004, os HSHs eram totalmente proibidos de doar sangue, e foi em 2017 que, o caso da restrição atual chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que iniciou um julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que questionou essa restrição, alegando que ela é discriminatória.
De um lado, estiveram entidades que defendem o direito dos homossexuais, para as quais a medida é discriminatória. De outro, o Ministério da Saúde e Anvisa, para os quais a medida segue recomendações internacionais e o “princípio de precaução”. No entanto, o julgamento foi suspenso, e até então não houve outros desdobramentos.
“Eu doei sangue pela primeira vez no ano passado e desde então me tornei um doador mais frequente. Quando fui realizar a triagem, eu disse que era homossexual e eles apenas me perguntaram se eu usei preservativo nos últimos 12 meses. Eu disse que sim. Então permitiram que eu doasse sem nenhum problema”, contou o estudante de Nutrição, de 18 anos, João Vitor Rodrigues da Silva, morador de Volta Redonda.
“Nunca fui doar sangue, pois, tenho medo de passar por algum tipo de preconceito. Me sinto tratado de uma forma diferente dos outros que podem doar normalmente. Eu sempre me previno quando tenho relações sexuais, principalmente quando é com algum desconhecido. O problema é o sexo sem proteção, e isso qualquer um pode faze, até mesmo os heterossexuais”, relatou um morador de Barra Mansa e estudante de Licenciatura em Ciências Biológicas, de 24 anos, que não quis se identificar.
“Desde quando comecei a entender sobre a importância da doação, tive vontade de doar, mas sempre vi em sites e jornais que homossexuais não poderiam doar. Então eu nunca tentei, por medo de passar por algum tipo de constrangimento. Por mais que a pessoa fale com toda delicadeza e educação do mundo, ou mesmo que ela invente algum outro motivo para eu não poder doar, sei que irei me sentir constrangido e magoado”, afirmou o estudante de Jornalismo, de 22 anos, Matheus Gonçalves, morador de Barra Mansa.
“Fui junto com o Exército para doar sangue no ano passado, era a minha primeira vez. Eles me perguntaram se eu era gay e eu disse que sim, mas não houve nenhuma objeção, então doei normalmente. Alguns dias depois, recebi uma carta do hemonúcleo, e, quando fui ao local pegar o resultado, descobri que eu tinha HIV. Está contaminado com o vírus não é nada exclusivo de um homossexual, se fui contaminado, é porque não me preveni. Deve sim existir uma triagem rígida, mas para ambos e não para apenas um público”, disse um estudante de Licenciatura em Computação, de 19 anos, morador de Volta Redonda, que não quis se identificar.
COORDENADOR DO HEMONÚCLEO DE BARRA MANSA AFIRMA QUE PROCEDIMENTO É PRECAUÇÃO
O coordenador do Hemonúcleo de Barra Mansa, Sérgio Murilo Conti, trabalha a cerca de dez anos com doação de sangue. Ele disse em entrevista ao A VOZ DA CIDADE que essa proibição vigora desde 1993. “A portaria mais recente é a 158, onde o artigo 64 fala sobre essa questão”, informou, explicando o motivo da lei. “Não há uma descriminalização da opção sexual, mas é uma forma de prevenção, já que de acordo com estudos epidemiológicos, a prevalência de vírus de pessoas que realizam relação sexual anal, como o HSH, está 19% a mais que homens que fazem sexo com mulher”, relatou.
‘ALGUNS PROTESTAM E DIZEM QUE IRÃO PROCESSAR’
“Nós somos sérios. Mostramos o que a portaria exige. Alguns protestam, dizem que irão processar, mas somos respaldados pela legislação, estamos seguindo o que nos é passado”, expôs o coordenador, afirmando que essa também é a realidade de outros países.
Sérgio Murilo ainda conta que a frequência de pessoas que vão doar e se declaram HSH é baixa. “Não sei dizer se é porque eles já têm conhecimento da lei e então não procuram doar, mas não é frequente o público vir ao hemonúcleo, pelo menos não no de Barra Mansa. Também não podemos afirmar se realmente todos os que não se declaram HSH, dizem a verdade”, afirmou.
O coordenador ainda explicou que por dia o hemonúcleo precisa de 30 doações diárias para se manter abastecido. Em média, o hemonúcleo de Barra Mansa recebe de 15 a 20 doações, podendo ter um número bem menor em alguns períodos do ano. “Não posso afirmar se as doações aumentariam caso fosse liberado para o HSH doar. Não sei dizer qual é a proporção desse público e em se todos estão realmente interessados em doar”, ressaltou.
No momento da triagem o doador responde a 40 perguntas sobre seu estado de saúde, alimentação, uso de medicação, hábitos de vida, entre outros temas. E neste questionário é feita a seguinte pergunta apenas para doadores do sexo masculino: ‘Teve relação sexual com outro homem nos últimos 12 meses?’. Após ser aprovado na triagem, o sangue doado, juntamente com as amostras colhidas para exame são encaminhados aos laboratórios. A bolsa de sangue colhida será fracionada nos hemocomponentes e ficará em quarentena aguardando os exames que serão realizados para as seguintes doenças: HIV; Hepatite B e C; HTLV I,II; Chagas; e Sífilis.
Segundo Sérgio, a sinceridade do doador é fundamental. “Se você mente na triagem, há a possibilidade de você estar contaminado, desenvolvendo a doença, que ainda não aparece no seu sangue, então os exames não irão identificar”, afirmou.
COORDENADOR DE ONG LGBT DE VOLTA REDONDA AFIRMA QUE A RESTRIÇÃO É DISCRIMINAÇÃO
“Essa norma viola a forma de sermos e existirmos, e, principalmente a diversidade e dignidade humana como uma afronta a autonomia de uma pessoa que deseja doar”, é o que afirma o fundador da ONG Volta Redonda Sem Homofobia, Natã Teixeira Amorim, que no ano de 2018 foi escolhido como um dos 20 embaixadores LGBT no Brasil, sendo o único na região Sudeste, do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, o sexo anal, que é um dos comportamentos de risco, não é exclusivo da população homossexual.
Ainda de acordo com Natã, a ONG recebe diversas mensagens de homens homossexuais que relatam o constrangimento para doarem de sangue. Ele explicou também que, houve uma conferência Nacional dos Direitos Humanos LGBT, em 2016, que apontou que o Brasil desperdiça milhões de litros de sangue por ano, por causa da restrição.
Uma matéria publicada em 2016 pela Super Interessante apontou que “de acordo com o IBGE, 101 milhões de homens vivem no país e, do total, 10,5 milhões é homo ou bissexual. Considerando que cada homem pode doar até quatro vezes em um ano, com a restrição dessa parcela da população, são desperdiçados 18,9 milhões de litros de sangue por ano”. Natã afirmou que esses dados comprovam a desvantagem dessa restrição para banco de sangue dos hemonúcleos.
‘A TRIAGEM É FALHA E POUCO EFICIENTE’
Segundo Natã Amorim, a triagem não garante a segurança do sangue, principalmente porque qualquer um pode mentir. O embaixador LGBT ainda afirma que deveria existir uma mudança na forma de se realizar a triagem e que ela fosse rígida para todos os públicos. “Os questionamentos deveriam se basear se a pessoa teve muitos parceiros os últimos 12 meses, se ela tem parceiro fixo e se realizou exames de DST no último ano”, disse, concluindo que o comportamento de risco está presente no dia a dia do ser humano, independente de orientação sexual.