Quem deve pagar a conta?

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Quando eu era uma menininha fui orientada pelas mulheres mais velhas que conviviam comigo, que eu deveria me casar com um bom partido. Esse ‘bom partido’ se traduzia em um homem que tivesse um carro, dinheiro para me sustentar e me enchesse de presentes. Eu morava em uma favela do Rio de Janeiro, em uma condição de muita simplicidade, e o casamento me era vendido como quase que um passaporte para o asfalto. Eu tenho certeza que como eu, mulheres de meia idade (não acredito que admiti isso), escutaram esses conselhos das outras mais velhas que faziam parte da sua educação, não com o objetivo de criar uma aproveitadora e sim para proteger das dificuldades. Historicamente a mulher vem tomando seu espaço na sociedade, mas leis que parecem tão absurdas eram vigentes até há pouquíssimo tempo, como o artigo 242 do código civil de 1916 que proibia a mulher casada de adquirir propriedade ou do livre exercício de profissões, que só foi revogado em 1962 com o estatuto da mulher casada que acabava com a incapacidade feminina. Essa herança cultural vem sendo modificada, mas sobram resquícios até hoje. Um estudo feito pelo IBGE mostra que as mulheres ganham menos em todas as ocupações, mesmo com a redução da desigualdade entre 2012 e 2018, as trabalhadoras ganham cerca de 20,5% a menos.
O maior problema é que a dependência financeira pode trazer uma péssima qualidade de vida, não só para as mulheres, mas para qualquer pessoa. Um levantamento feito pelo Ministério Público mostra que de cada quatro mulheres que sofrem violência doméstica, uma não denuncia porque depende financeiramente do agressor. Olhando o nosso meio, quem nunca conheceu uma pessoa que se manteve em um relacionamento que não queria mais porque não teria como se sustentar sem ele?
Cresci vendo a dependência financeira feminina como algo normal, mas ficava inconformada com a diferença de direitos que eu e meu irmão tínhamos, como chegar tarde em casa, aprender a dirigir, sair com os amigos etc. A partir daí comecei a observar que as mulheres que me aconselhavam a casar com o cara rico também sofriam desigualdades de direitos dentro de casa, e no meu julgamento, elas eram as partes mais prejudicadas. No meio da minha família, que não era nada pequena, existia uma mulher bem nova, que nunca levou desaforo pra casa, não só trabalhava, como administrava um negócio, dirigia, e era independente pra tomar suas decisões apesar de ser casada, era minha tia mais nova que sempre foi uma grande inspiração. Então eu decidi que o bom partido seria eu, e me daria o luxo de casar com quem eu quisesse, se eu quisesse. Não existe receita de bolo, o que dá certo para um pode não dá para o outro, mas depois de me tornar independente e morar sozinha eu me casei, com uma pessoa que tinha o mesmo salário, patrimônio e vontade de construir uma vida como eu, trabalhamos muito, muito mesmo, nos sustentamos juntos e enriquecemos juntos.
Enquanto escrevo essa coluna perguntei no meu Instagram “quem deve pagar a conta?”. Se fosse na minha adolescência acredito que teria uma maioria absoluta dizendo que era o homem, mas para a minha felicidade a maioria das respostas foram coisas como “ambos”. Seja você homem ou mulher, a melhor coisa é saber que a sua independência financeira é o que vai te trazer uma vida boa e que nenhuma herança social ou cultural pode limitar o objetivo que você quer chegar.

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