A transição da adolescência para a vida adulta é uma das fases mais complexas e silenciosamente sofridas da trajetória humana. Silenciosa porque, embora seja uma travessia inevitável, ainda é pouco compreendida por muitos adultos. Espera-se dos jovens maturidade emocional, decisões definitivas e equilíbrio… quando, na verdade, eles ainda estão em construção.
À primeira vista, a juventude contemporânea parece mais preparada do que nunca: tem acesso à informação, domina tecnologias, aprende rápido. Mas a realidade revela outro lado: o aumento da ansiedade, dos transtornos depressivos e do sentimento de inadequação. Muitos jovens se veem pressionados a escolher um futuro sem sequer terem se entendido no presente.
O cérebro ainda está se formando
A neurociência nos mostra que o cérebro humano só alcança sua maturidade completa por volta dos 25 anos. O córtex pré-frontal responsável pelo planejamento, pela tomada de decisões e pela regulação emocional é uma das últimas regiões a se desenvolver. Isso significa que, do ponto de vista biológico, jovens entre 18 e 24 anos ainda estão em pleno processo de amadurecimento.
Enquanto isso, a sociedade espera que eles já saibam o que querem da vida, ingressem no mercado de trabalho, sejam emocionalmente estáveis e tomem decisões acertadas. Essa desconexão entre o desenvolvimento cerebral e as exigências sociais contribui para frustrações e inseguranças profundas.
A armadilha da pressa e da comparação
Além das pressões tradicionais, o jovem de hoje enfrenta um novo e constante desafio: a comparação nas redes sociais. Num ambiente onde tudo parece acontecer rápido: sucesso, estabilidade, conquistas sentir-se “atrasado” aos 21 anos se tornou comum.
A psicologia do desenvolvimento aponta que essa é uma fase de exploração, experimentações e autoconhecimento. No entanto, muitos jovens, em vez de viverem essa liberdade, sentem medo de errar e vergonha de não corresponder às expectativas.
Potencial em estado bruto
Apesar dos desafios, a juventude carrega um potencial extraordinário. A chamada neuroplasticidade a capacidade do cérebro de aprender, adaptar-se e se transformar está especialmente ativa nesse período. É o momento ideal para desenvolver habilidades, repensar rotas e construir novos caminhos.
Mais do que isso, os jovens de hoje trazem características essenciais para os tempos atuais: senso crítico, desejo de transformação, autenticidade e sensibilidade social. Quando contam com apoio, escuta e oportunidades, tornam-se adultos criativos, resilientes e comprometidos com o coletivo.
Como podemos apoiar essa travessia?
Acolher sem infantilizar. Criar redes de apoio que respeitem o tempo de amadurecimento do jovem, sem superproteção nem exigências irreais.
Promover ambientes de escuta e orientação. Seja na escola, na universidade ou no trabalho, o diálogo honesto e o acompanhamento fazem diferença.
Reduzir o peso das decisões precoces. Estimular a exploração saudável de interesses, sem exigir escolhas definitivas aos 18 anos.
Reconhecer a juventude como fase de transição, não de falha. Instabilidade não é sinal de fracasso, mas parte natural do crescimento.
Em tempos em que tanto se fala sobre o futuro, talvez devêssemos falar mais sobre o agora dos jovens. Compreender seus ritmos, dúvidas e buscas é essencial para construir uma sociedade que não apenas exija resultados, mas que saiba formar seres humanos inteiros.
Marcele Campos
Psicóloga Especialista em Neuropsicologia (Avaliação e Reabilitação) e Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo, Atrasos de Desenvolvimento Intelectual e Linguagem. Trabalha há mais de 28 anos com crianças e adolescentes. Proprietária da Clínica Neurodesenvolver.