Maestro Nicolau, cinco décadas descobrindo músicos e formando cidadãos

Por Mônica Vieira
nicolau

VOLTA REDONDA

“No dia em que Volta Redonda for conhecida como a cidade da música, aí então estaremos fabricando o melhor aço do mundo”: com esse lema, o maestro Nicolau Martins de Oliveira tem se dedicado há cinco décadas a entregar ao mundo gerações de novos músicos, mas principalmente – como ele mesmo diz – a fazer de seus alunos seres humanos melhores através da música. Aos 82 anos, o maestro e músico catarinense não se cansa de compartilhar seus conhecimentos com os estudantes da rede municipal de ensino de Volta Redonda, por meio do projeto “Volta Redonda Cidade da Música”.

Antes de falar da iniciativa que teve início em 1974 – e batizado com o nome atual em 2008 –, é preciso entender de onde veio sua paixão pela música. Nascido em março de 1942 em Capivari, antigo distrito de Tubarão (SC) depois emancipado, Nicolau cantava no coro e tocava trompete na banda da igreja da Assembleia de Deus, da qual participava.

“Na primeira escola em que estudei, no antigo Primário, fiz uma banda de tambores com dois colegas. Quando terminei o quarto ano, fiz uma banda com 18 tambores”, relembra, acrescentando que em casa a família também se dedicava à música, com o pai explicando cada música que eles cantavam.

Anos de formação

Volta Redonda entrou em sua vida em 1958, quando foi um dos cinco aprovados – entre 50 candidatos – para a seleção feita em sua cidade para estudar na Escola Técnica Pandiá Calógeras (ETPC). Trabalhando na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), ele conheceu o professor e maestro Franklin de Carvalho Jr., que também era funcionário da antiga estatal. Com ele, fez os cursos de Teoria e Solfejo, Prática de Banda, Orquestra, Coro e Prática de Ensino, e pouco tempo depois substituiu Franklin como professor na ETPC.

Na instituição, Nicolau criou a Fanfarra da ETPC, que já tinha os instrumentos comprados pelo maestro Franklin, e em 1965 já venceram o primeiro campeonato de fanfarras. Em paralelo, ele cursou a Escola Nacional de Música da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com graduação em fagote. Também foi aluno particular de fagote do professor italiano Bruno Gianessi, e por cinco anos de um dos mais famosos maestros do Brasil, Isaac Karabtchewsky. Buscou conhecimento, ainda, em diversos cursos na época, além de ter ampliado seus conhecimentos nos Estados Unidos na década seguinte, por meio de cursos e seminários em várias universidades.

De volta ao Brasil, fez estágio como regente da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.

Anos de vitórias

Em 1974, foi convidado a trabalhar na Fevre (Fundação Educacional de Volta Redonda) e retomar as atividades da banda da instituição, que teve início em 1965 com a Fanfarra feminina sob a liderança de Benedito Gastão Chaves de Campos.

“Na época, o prefeito era o doutor Nelson Gonçalves. Eu recebi o convite do diretor da Fevre na época e comecei no dia 1º de abril de 1974. Só que nenhum dos instrumentos funcionava, tivemos que enviar tudo para a fábrica para fazer os reparos devidos. Esse material só chegou em julho, então eu fiquei trabalhando, musicalizando, cantando, a gente trabalhou direto.”

Foi assim que a Banda Marcial voltou à ativa e realizou sua primeira apresentação já no Desfile de 7 de Setembro daquele ano. “Naquele tempo, no primeiro sábado depois do 7 de setembro, era realizado um concurso de bandas e fanfarras pela CSN, lá no Recreio do Trabalhador. Das três bandas que participaram, a nossa ficou em primeiro lugar”.

Esse foi o início da vitoriosa trajetória da Banda de Metais, que conquistou em várias oportunidades o primeiro lugar no Concurso Nacional promovido pela Rádio e TV Record de São Paulo. E não foram poucas as conquistas: foram cinco títulos seguidos em sua categoria, além de Campeã Geral em 1976, 1977 e 1979, o que garantiu à banda a posse em definitivo do Troféu Dr. Paulo Machado de Carvalho, que está exposto na sede do “Volta Redonda Cidade da Música”, na Vila Mury.

Com o acréscimo de outros instrumentos, ela se tornou a Banda de Concerto da Fevre em 1982, tendo se apresentado em várias cidades brasileiras.

Um ano antes, em 1981, Nicolau Martins criou a Banda Mini, que passou a ser o primeiro contato dos alunos com os instrumentos de percussão e pífaros (que passou a ter um curso próprio em 1990), tendo como principal objetivo trabalhar a coordenação motora desses jovens.

“É um trabalho inicial nos primeiros anos da escola. Nossa visão não é fazer músicos, é através da música formar o cidadão”, explica.

O início de um projeto

É preciso, então, voltar um pouco no tempo, mais especificamente para 1974, quando foi convidado a trabalhar na Fevre. Nesse mesmo ano ele deu início ao projeto que, mais de três décadas depois, foi enfim batizado como “Volta Redonda Cidade da Música”, num incansável trabalho de musicalização dos estudantes da rede municipal de ensino que, como já foi salientado anteriormente, tem mais a ver com a formação do ser humano que com “fabricar” músicos.

“A música é constituída de melodia, de harmonia e de ritmo. E eu li em um artigo algo que achei lindo: que a melodia é referente à coisa espiritual, de Deus; a harmonia é da alma; e o ritmo é do corpo. E a gente trabalha esses três elementos para desenvolver a sua capacidade de memória, e até mesmo de andar. Tem crianças aqui que não conseguiam conjugar o pé com a mão, e hoje conseguem. Nós trabalhamos até ela chegar ao máximo que pode desenvolver. Temos vários casos de crianças que tinham dificuldade motora, de entendimento”, diz.

Atualmente, o “Cidade da Música” trabalha em mais de 30 escolas municipais de Volta Redonda, do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental. “Trabalhamos na sala de aula com as turmas, e a criança que desperta para a música vai para a Banda Mini”.

A criação da Orquestra

Banda Marcial, Banda de Concerto, Coro Infanto-Juvenil (criado no ano 2000), os projetos “Volta Redonda Cidade da Música” e “Do Aço ao Clássico” (que envolve todas as apresentações musicais)… Ainda havia espaço para mais, e um dos grandes marcos da cultura do município foi a criação da Orquestra de Cordas de Volta Redonda, em 1995. Ela foi antecipada, em 1992, pela Orquestra Sinfônica Embrião de Volta Redonda, com a criação da primeira turma de violinos no mesmo ano, seguida pelas turmas de violas (1993) e violoncelos (1994). Outros frutos dessa época são as orquestras de Violinos e a de Violoncelos e Contrabaixos.

“O (então prefeito) Wanildo de Carvalho me chamou, porque ele queria fazer uma orquestra. Tínhamos essa orquestra de violino, e ele queria batizá-la de Orquestra Sinfônica. Ele não tinha ideia: ‘Mas, Wanildo, é só violino, isso não é orquestra, o pessoal vai me chamar de ignorante’. Então eu disse: ‘Tudo bem, Orquestra Sinfônica de Volta Redonda’, aí coloquei um traço e, em seguida, ‘Embrião’. Ele concordou e nós estreamos com 23 crianças no violino e com o nome Orquestra Sinfônica de Volta Redonda – Embrião. Como não era possível ter todos os instrumentos para uma orquestra sinfônica, em 1995 rebatizamos para Orquestra de Cordas”, recorda Nicolau.

Atualmente, ela tem entre 40 e 50 integrantes, além de cerca de 80 na Orquestra Número 2.

Com todos os seus projetos, Nicolau e os alunos/músicos de Volta Redonda já se apresentaram em algumas das maiores e mais importantes salas de espetáculos do país, entre eles o Theatro Municipal, Igreja da Candelária e Sala Cecilia Meireles, no Rio de Janeiro; a Sala São Paulo, na capital paulista; e o Cine-Theatro Central, em Juiz de Fora (MG). Um de seus maiores orgulhos, aliás, é ter reunido mais de duas mil crianças de escolas de 20 cidades do estado do Rio para se apresentarem ao mesmo tempo no Theatro Municipal.

‘Que eles cresçam’

Quando questionado sobre a frase que abre o texto (“No dia em que Volta Redonda for conhecida como a cidade da música, aí então estaremos fabricando o melhor aço do mundo”), o maestro Nicolau diz que está por fora da realidade do aço, “mas eu sei que estamos fazendo a melhor música”.

“Hoje nós temos músicos formados pelo projeto em várias orquestras do país, como a Sinfônica Nacional, na Banda do Corpo de Bombeiros, da Marinha, a Orquestra de Porto Alegre. Alunos do ‘Cidade da Música’ estão estudando na Universidade de Southern Mississipi (nos Estados Unidos), inclusive um vai fazer doutorado. Nossos alunos aprendem com os melhores professores, e isso faz com que eles sejam requisitados por várias bandas e orquestras”, orgulha-se.

Tudo isso, aliás, sempre levando em foco o aperfeiçoamento desses jovens como indivíduos, antes de tudo, o que faz com que ele sinta que esses sãos os filhos que ele não teve – “filhos” que, aliás, homenagearam o venerável maestro no último sábado (7), durante o Desfile de 7 de Setembro, quando a Banda Municipal tocou três músicas dedicadas a Nicolau, que estava no palanque principal do evento.

“Com a formação cristã que tive, aprendi a repartir o que tenho de melhor com o que as pessoas querem ou precisam. Já me perguntaram se não me incomodo dos meus alunos estudarem nos Estados Unidos, e eu digo que fico feliz. Existe uma expressão na Bíblia que diz ‘Que eles cresçam, e eu diminua’; eu fico feliz com o sucesso deles, pois foi pela música que Deus me deu os meus filhos, então me dá orgulho ver que eles alcançaram o que não consegui. Pelo menos, eu fui o primeiro degrau da escada de todos eles.”

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