‘Era o dinheiro ou a vida’, diz prefeito de Porto Real, Ailton Marques 

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PORTO REAL
CAROL MACEDO
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Foram quase dois meses com medo de morrer ou que algo acontecesse com alguém da família. Uma sensação de impotência que não deseja a ninguém. Momentos de desespero que pensou em até mesmo em entregar a prefeitura, mas nunca pagar R$ 2 milhões que estava sendo cobrado. O A VOZ DA CIDADE conversou nesta quinta-feira com exclusividade com o prefeito Ailton Marques (PDT), nove dias após terem sido expedidos os mandados de prisão aos quatro suspeitos de tentarem extorqui-lo. Um deles está preso. Os demais ainda foragidos. Questionado se sente seguro, Ailton respondeu que não, mas está tomando providências para isso. Frisou que buscou apoio do Ministério Público com intuito apenas de se proteger. “Era o dinheiro ou era a vida. Essas foram as duas opções que me deram. Simplesmente relatei o que aconteceu e o MP conduz as investigações”, disse.

O autor do processo contra os suspeitos de tentarem extorquir R$ 2 milhões do prefeito é o Ministério Público. Após quase dois meses de investigações, o órgão chegou a quatro nomes: Adriano Arlei Serfiotis, filho do ex-prefeito Jorge Serfiotis, falecido em 2017, Halysson Guilber Muri de Freitas, Michael Cardoso Santana e Rodrigo Costa Caldeira, os três últimos de Duque de Caxias. Os mandados de prisão foram expedidos pela juíza Priscila Dickie Oddo, da comarca de Porto Real/Quatis. Adriano foi preso no dia 19 em Porto Real. Os demais ainda estão foragidos, segundo informações repassadas ao jornal.

Sobre a dívida existente, Ailton diz desconhecer qualquer acerto feito em campanha – Foto: Fábio Guimas

COMO TUDO COMEÇOU

Desde que assumiu a Prefeitura de Porto Real, em 29 de julho de 2017, depois de morte de Jorge Serfiotis, que tratava de um câncer, Ailton contou que nunca tinha sido cobrado de dívida alguma de campanha feita em 2016. Contou que o que sabe de doações para campanha está na prestação de contas do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). “Se teve alguma ajuda de fora eu desconheço. Meu papel na eleição era de pedir voto na rua, como o Jorge ficou acamado. Esse era o meu papel na campanha”, contou.

Ailton Marques lembrou que foi no dia 24 de abril que tudo começou. Uma semana antes teria recebido ligação de Adriano Serfiotis dizendo que tinha um empresário que queria investir na cidade. Chegou ao escritório de Adriano e o homem não estava mais, marcaram para dias depois. No dia 24 de abril, o prefeito foi chamado novamente por Adriano por volta das 13 horas, falando que o empresário estava em seu escritório e queria conversar. Ailton tinha uma reunião de secretariado, mas foi com a promessa de que seria uma conversa rápida. No escritório estavam Adriano e mais seis pessoas. Adriano, dois homens e ele ficaram na sala. “Já começaram dizendo que existia uma dívida de R$ 2 milhões feita na campanha de Serfiotis e que eu precisava pagar. Um dos homens estava muito alterado, com a arma na mão. Eu disse que desconhecia. Não comentou nada. E ficou nisso. Os caras nervosos. Cometi um erro ao bater na mesa e dizer que ia embora, que não ia pagar nada porque não tinha me comprometido. Quando aconteceu isso começaram os dois homens que eu não conhecia a me intimidar mais e me disseram que eu não iria sair dali sem me comprometer”, lembrou, frisando que ficou 1h10min em cárcere privado.

Questionado sobre o que Adriano Serfiotis fez quando tudo isso aconteceu, Ailton disse que em um determinado momento ele colocou a mão na cabeça e disse que tinha família, aparentou então surpresa aos atos dos demais. “Não quiseram me deixar sair enquanto eu não pagasse. No final, pra me ver livre daquela situação, eu disse então que pagaria 25% na próxima semana, falaram que precisariam ver com uma pessoa se autorizaria este prazo. Saíram para ligar, voltaram e falaram que teria que ser pago tudo na próxima semana”, contou. Ailton então foi liberado e ao sair da casa, fotografou a placa do carro do Rio de Janeiro que estava parado na porta do escritório de Adriano.

Na segunda-feira, dia 29 de abril, procurou o comandante da PM de Porto Real, Bueno, onde foi aconselhado a ir ao Ministério Público. No dia seguinte foi recebido em Resende por um promotor e com a foto da placa do carro chegou ao nome do primeiro envolvido, Michael Cardoso. Os demais nomes foram ligados após o episódio do helicóptero.

“Dois homens que eu não conhecia a me intimidar mais e me disseram que eu não iria sair dali sem me comprometer”, falou o prefeito

O HELICÓPTERO

Neste dia, 29, Ailton Marques recebeu uma ligação o ameaçando. “Tinha acabado de sair da reunião com o promotor e um deles me ligou falando que iria no dia 2 de maio em Porto Real receber o dinheiro. Avisei ao promotor, que me pediu para sair da cidade porque não dava tempo de arrumar esquema para prender os envolvidos. Não pude sair por conta de compromissos na Prefeitura. Foi um erro meu. O MP me pediu para baixar um programa de gravação de ligações, pois não dava tempo de grampear o meu telefone. Fiz isso e na noite do dia 30 me ligaram novamente e tenho gravação de 22 minutos de ameaças”, citou.

No dia 2 de maio o prefeito estava na prefeitura quando um helicóptero desceu no pátio. Reconheceu de longe um deles, o Rodrigo, que estava no dia do episódio do escritório. Ligou para o coronel e ao mesmo tempo quando os homens subiram para conversar com ele, no hall da prefeitura, um funcionário viu um deles armado e também chamou a polícia. Foram levados para delegacia, as armas eram legais, falaram sobre a conversa do empresário que queria investir na cidade e como a investigação estava ainda em curso a polícia liberou os homens. “Acredito que a partir daí foram colhidas mais provas porque também devem ter acontecido interceptações telefônicas”, completou o prefeito.

Após o caso do helicóptero, Ailton Marques recebeu mais uma ligação de ameaça.

ALGUÉM GRANDE POR TRÁS

Ailton Marques disse não saber realmente sobre essa dívida, mas não acredita que alguém, mesmo de maneira ilegal, tenha investido R$ 2 milhões em uma campanha de uma cidade pequena. Porém, há a suspeitas da Justiça de que alguém maior possa estar envolvido. “A todo momento eles falaram que tinha alguém por trás, que não adiantava eu falar com MP, polícia, que eles tinham desembargadores e que ajudaram a eleger 12 prefeitos”, destacou sem saber se este fato procede ou se era uma maneira de pressioná-lo.

Sugeriram para pagamento que Ailton Marques facilitasse uma licitação na prefeitura. Ele se negou. “Eles deram isso como exemplo, entrar em licitação e ganhar contrato, mas nunca faria isso. Não daria um jeitinho para pagar e não pagaria se eu tivesse esse valor em mãos”, afirmou.

Os três homens de Duque de Caxias não foram localizados para que os mandados de prisão fossem cumpridos. Esse fato, segundo Ailton, não faz com que se sinta seguro. “Estou tomando as providências para garantir minha segurança e a da minha família, com seguranças, carro blindado. Pedi escolta do Governo do Estado, pessoalmente ao governador Wilson Witzel, mas ainda não tive resposta”, contou. Ailton Marques é casado e tem dois filhos. “Só me resta aguardar”, pontuou.

‘PENSEI EM LARGAR A PREFEITURA’

O prefeito, no meio dessas ameaças, contou que pensou em largar a prefeitura e falou a um dos homens que estavam o ameaçando. Nesse momento falaram que o problema não era pessoal, que ele tinha herdado a dívida e o mesmo aconteceria independente de quem fosse o prefeito, se ele entregasse para outro – o presidente da câmara, no caso. “É uma sensação de impotência, de estar sozinho. Por mais que o MP esteja no caso, foi assim que me senti, e ainda me sinto com relação à segurança. Mas não deixarei a prefeitura, fora de cogitação. Fiz meu papel de repassar o que aconteceu porque acredito no que é correto e no que estamos fazendo por Porto Real. Quero que esta página seja virada para poder focar somente no que interessa pra população que é o nosso trabalho de recuperação do município”, finalizou.

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