VOLTA REDONDA
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, 53,6% da população brasileira é negra, mas apenas 48% dessa parcela chega à terceira idade. Esse dado reflete uma série de violações de direitos, que culminam em mortes precoces, encarceramento em massa e outros desafios enfrentados pela população negra. Para aqueles que superam essas barreiras e alcançam a velhice, muitas vezes o sofrimento do preconceito acompanha toda a trajetória de vida.
Mas essa realidade não apagou o brilho de Maria Aparecida das Mercedes Silva, 87 anos, aposentada e moradora do bairro Santa Cruz, em Volta Redonda. Viúva e mãe de nove filhos, dos quais quatro estão vivos, Maria Aparecida é um exemplo de lucidez e alegria, provando que a resiliência é uma de suas maiores virtudes. Em entrevista especial ao A VOZ DA CIDADE, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira, 20, ela compartilhou suas reflexões sobre racismo, conquistas e o papel dos jovens negros na luta por igualdade.
RACISMO E RESILIÊNCIA
Maria Aparecida reconhece que o racismo sempre existiu e provavelmente continuará a existir, mas afirma que nunca permitiu que isso a fizesse sentir inferior. Essa força interior é o que ela busca transmitir aos jovens, que, mesmo com mais ferramentas e oportunidades, às vezes se sentem desmotivados a lutar. “Para vencer o racismo, é preciso investir em educação. Na minha época, estudar era um luxo que nós, mulheres negras, não podíamos ter. Tínhamos que trabalhar em casa ou na roça. Hoje, os jovens têm mais chances e devem aproveitá-las”, disse a aposentada.
Ela lembra com orgulho de ter aprendido a assinar o próprio nome e incentiva as novas gerações a buscarem conhecimento para criar suas próprias oportunidades. “Os jovens de hoje podem chegar onde quiserem, não onde outros determinam. Isso é algo pelo qual vale a pena lutar”, afirmou.
UMA VIDA DE TRABALHO E SUPERAÇÃO
Nascida em Lavras (MG), Maria Aparecida trabalhou na roça com o pai antes de se mudar para Volta Redonda, onde atuou como empregada doméstica até se aposentar. Embora reconheça que essa era uma das poucas profissões disponíveis para mulheres negras de sua geração, ela nunca se deixou abater.
“Era muito difícil, mas nunca me senti menor do que ninguém. Claro que queria mais para mim, mas a realidade era essa. Trabalhei como doméstica por 32 anos em uma residência até sofrer um AVC, e meu filho não me deixou voltar ao trabalho. Apesar das dificuldades, sempre valorizei minha profissão”, destacou.
VISIBILIDADE E CONSCIENTIZAÇÃO
Para Maria Aparecida, os jovens negros de hoje têm mais visibilidade e maiores chances de mostrar suas capacidades, mesmo enfrentando preconceitos persistentes. “Com as ferramentas que têm hoje, eles podem transformar realidades. Por isso, sempre digo: estudem e lutem com determinação, porque vocês são capazes”, aconselhou.
Ela também vê no Dia da Consciência Negra um marco importante para o reconhecimento da luta do povo preto. “Ter um dia para refletir e valorizar nossa história já é uma vitória. É uma data para lembrar que, independentemente da cor da pele, o sangue que corre nas veias é o mesmo”, ressaltou com esperança.