CAOS NA SAÚDE DE ANGRA: Irregularidades e improbidade afetam usuários da cidade

Por Lara Salles

ANGRA DOS REIS

As polêmicas envolvendo a Secretaria de Saúde de Angra dos Reis têm gerado indignação aos usuários dos serviços públicos do município. De acordo com as fontes ouvidas pelo A VOZ DA CIDADE, há casos de irregularidades na gestão de unidades de saúde e até mesmo de improbidade administrativa que já estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Uma das áreas que está sendo diretamente afetada é a da saúde mental. A psicóloga e coordenadora de Tratamento do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Maria de Betania Garcia, conta que em 2012 a Santa Casa foi credenciada e habilitada para receber oito leitos destinados a pessoas com problemas de saúde mental, álcool e outras drogas e que precisavam ficar internadas por um período de um ou dois meses. “Durante a pandemia todos os leitos da Santa Casa foram para o Hospital Geral da Japuíba, menos os de psiquiatria, que foram colocados em um alojamento da Usina Nuclear, que começou a funcionar como se fosse um ‘mini hospital’ psiquiátrico. Em 2021 o Ministério Público interviu e determinou que esses leitos fossem colocados no Hospital da Japuíba, onde já deveriam estar, mas eles vieram apenas virtualmente, porque fisicamente isso nunca aconteceu”, disse.

Ela apontou que todos os meses é enviado o recurso no valor de R$ 44 mil para manutenção desses leitos pelo Ministério da Saúde, mas que a Secretaria de Saúde não repassa esse dinheiro para o hospital porque, embora apareçam no cadastro da secretaria, fisicamente eles não existem e o usuário quando precisa do leito não o encontra.

Questionada sobre onde estão esses leitos, a prefeitura informou que estão no Hospital da Japuiba.

A resposta da prefeitura contradiz a fala de uma moradora, que a mãe é usuária do serviço de saúde mental. A mulher, que preferiu não se identificar, esteve no mês passado com a mãe no Hospital da Japuíba e não encontrou os oitos leitos. “Na enfermaria de emergência, só tem cinco leitos. E não têm os leitos de retaguarda que são para os casos em que o paciente precisa ficar um tempo maior se recuperando de crises mais intensas”, disse acrescentando, sobre a falta de psiquiatra nos centros de atendimento.

A prefeitura informou que a Rede de Atenção Psicossocial de Angra tem oito psiquiatras e 23 psicólogos, além de: três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – um para adultos, um infantil e um especializado no atendimento de usuários de álcool e drogas; Serviço de Residência Terapêutica (SRT), Unidade de Acolhimento Infantil (UAI), Sala Lilás para Atendimento à Mulher Vítima de Violência; Núcleo de Escuta Especializada da Criança e Adolescente Vítima de Violência.

Sobre a Rede de Atenção Psicossocial citada pela Prefeitura de Angra, a coordenadora Maria de Betania, conta que em 2008 o conselho reorganizou o Centro de Atenção Psicossocial II (Caps), criou o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD) e o Centro Estadual de Atenção Psicossocial e Infanto-Juvenill (Capsi), mas que desde 2012, nenhum desses centros funcionam como deveriam.

Um problema que reflete essa atenção com a rede aconteceu na última semana, quando um guarani usuário de saúde mental que já vinha sem assistência por parte do serviço de psiquiatra do Caps, passou por um franco surto de esquizofrenia e a família acionou o Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele acabou sendo baleado pela polícia. “Eu atendi esse indígena por 31 anos e nunca houve uma situação como esta. Os usuários de saúde mental estão desprotegidos e entregues a própria sorte”, disse, acrescentando que o guarani está estável, porém, segue hospitalizado.

“O Samu foi acionado e prestou atendimento. Como o cidadão estava armado e em surto, a polícia foi chamada”, disse a nota da prefeitura.

Na terça-feira, dia 16, uma indígena, de 15 anos, que morava na mesma aldeia se suicidou. “Isso reflete a questão da falta de política públicas de saúde mental para populações vulneráveis como indígenas quilombolas e outras”, apontou a coordenadora Maria de Betania.

ABUSO DENTRO DE CASA DE ACOLHIMENTO 

Não é só na área da saúde mental que foram relatados descuidos com os usuários do serviço público. Em abril, o Ministério Público do Rio de Janeiro realizou uma vistoria na Casa Abrigo da Criança e do Adolescente Roger Agnelli e verificou diversas irregularidades na instituição. A coordenação e todo o comando da Secretaria de Desenvolvimento Social e Promoção da Cidadania, foram exonerados para que os casos fossem investigados.

Segundo o MPRJ, foi observado que existem relatos de abusos entre acolhidos pelo menos desde o ano de 2022, de modo que a omissão dos agentes públicos envolvidos está sendo investigada. Constatou-se também que não haviam enfermeiros na instituição desde o início do ano de 2023, e que o quadro de Recursos Humanos estava defasado.

Na época, o local que tem capacidade para atender, no máximo, 20 crianças e adolescentes, contava com 34 acolhidos.  De acordo com o relatório, o dormitório para meninas de seis a 12 anos encontra-se desativado por não haver educador social, razão pela qual todas as crianças dividiam o mesmo dormitório que as adolescentes 12 a 18 anos de idade.

No berçário, para crianças de zero a cinco anos, 13 bebês ocupavam dez berços/camas infantis com lençóis sujos. Ainda de acordo com as investigações, na noite anterior à fiscalização realizada pelo MP, dois dos acolhidos recém-chegados ao abrigo dormiram em colchões no chão por não haver mobiliário suficiente. Também foram encontrados cômodos em mau estado de conservação e pelo menos dez crianças/adolescentes estavam com o esquema vacinal incompleto, já que a rede municipal de Saúde não oferece as vacinas para HPV, febre amarela e tríplice viral, dentre outras.

Sobre o caso, a prefeitura informou em nota que: “Foi decretada a intervenção da Casa Abrigo, que passa por reforma e receberá câmeras de monitoramento para reforçar a segurança dos jovens e funcionários. A direção da unidade e a cúpula da Secretaria de Desenvolvimento Social e Promoção da Cidadania foram demitidas. O atendimento a 25 crianças e adolescentes segue normalmente”, disse.

Foto: divulgação

INTERVENÇÃO NO HOSPITAL MATERNIDADE – foto

Na última semana a Justiça suspendeu o contrato firmado entre a prefeitura de Angra e a organização social Instituto de Desenvolvimento Institucional e Ação Social (Ideias) para a administração do Hospital Maternidade da cidade. A decisão foi tomada, após o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apontar que a contratação foi feita sem licitação. O município deverá, em prazo máximo de 90 dias (a partir do dia 4 deste mês), assumir a gestão do hospital ou delegar os serviços ao vencedor de procedimento licitatório.

A ação civil pública também ressalta ‘que a delegação direta dos serviços à organização social gerou um aumento significativo do gasto público, uma vez que a Ideias passou a receber do município aproximadamente três vezes mais do que era pago mensalmente à prestadora anterior, valores que somam, até o momento, R$ 94.726.796,10’.

Questionada, a prefeitura informou que recorreu à decisão.

Foto: divulgação

POSSÍVEL ERRO MÉDICO E UMA MÃE PERDE UM FILHO 

A Polícia Civil está investigando um possível erro médico, que pode ter levado a morte de Murillo Castilho de Souza, de um ano e cinco meses, no final do mês de abril. Segundo a mãe do menino ao A VOZ DA CIDADE, Giliane Castilho Reis, Murillo foi atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) infantil Agda Maria, no bairro Japuíba, três dias seguidos.

Na tarde de quarta-feira, dia 3, ele faleceu nos braços dela quando os dois voltavam para o hospital, pois o menino não havia melhorado. Giliane afirma que o filho foi vítima de negligência e espera Justiça. “Em nenhum momento viram que o caso do meu filho era grave, não tiveram a compaixão de entender a situação mais a fundo através de exames, por exemplo, só foram aplicando e dando medicações, até que mataram o meu filho. É um desabafo de uma mãe que fazia planos e vivia pelo seu filho. Ele era a minha vida e está fazendo uma falta imensa”, disse.

Ela contou que conheceu outras mães que passaram por situações parecidas envolvendo a saúde pública de Angra.  “Vi o descaso não somente com o meu filho, mas com muitas crianças. Recebi relato de mães que há alguns anos passaram por isso, porém, não tiveram a força que estou tendo para lutar por justiça. Passando por isso é que entendemos como funciona a saúde de Angra dos Reis, que está caótica, péssima e não somente na UPA, mas no Hospital da Japuíba também. Isso precisa ser mudado e vou lutar por isso”, afirmou.

A prefeitura que disse que a médica que atendeu o bebê por último na UPA Infantil foi afastada de suas funções. “A Secretaria de Saúde segue investigando o caso e aguarda o laudo da necropsia realizada pela Polícia Civil. Se forem constatadas falhas no atendimento, os envolvidos serão responsabilizados”, informou a nota.

SOBREPREÇO DE QUASE R$ 3 MILHÕES

Também no mês passado a promotoria de tutela coletiva de Angra dos Reis apresentou uma ação de improbidade administrativa. Segundo os promotores, a compra de itens para Saúde municipal com sobrepreço de R$ 2.868.234,52 está sendo investigado.

Na denúncia, somente a compra de álcool em gel gerou dano de R$ 870 mil ao tesouro público. De acordo com a investigação, enquanto a Secretaria de Administração do município comprou o item por R$ 16, o mesmo produto saiu por R$ 40 para a Secretaria de Saúde. O caso segue sendo investigado  pelo Ministério Público.

Ao A VOZ DA CIDADE a prefeitura disse que: “Todos os atos realizados pela Prefeitura durante a pandemia da Covid-19 foram lícitos, segundo o próprio Ministério Público. Ainda em 2022, o município pediu ressarcimento de R$ 4,3 milhões à empresa suspeita de praticar sobrepreço. A ação está na Justiça”, relatou a nota.

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