A escravidão mora ao nosso lado

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Na próxima semana, a abolição da escravatura em nosso país completará 134 anos. A Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel em 1888 e, desde então, o Brasil proibiu definitivamente que negros fossem escravizados em seu território. Na teoria, cerca de 700 mil pessoas deixaram de ter donos. Na maioria das literaturas, podemos encontrar trechos que dizem que esses indivíduos conquistaram a “liberdade”. Mas será que de fato isso aconteceu?
A escravidão é caracterizada por um regime de trabalho onde homens e mulheres são forçados a trabalhar sem receber nenhuma remuneração. Suas liberdades são tolhidas e suas vidas são meras mercadorias. Como disse inicialmente, a modalidade escravista é ilegal, entretanto, não se surpreenda com o fato de que muitos seres humanos ainda vivem em condições análogas à escravidão. E para piorar, essa triste realidade pode estar mais próxima do que imaginamos.
Será necessário voltar na história para entender um pouco sobre o pós-abolição e os impactos desse processo nos dias atuais. Apesar do fim da escravidão, não houve qualquer tipo de iniciativa social para inserir os ex-escravos na sociedade. Embora “livres”, estas pessoas permaneceram marginalizadas, sem oportunidades de estudar e sem chances de trabalhar com condições dignas. Para sobreviver, novamente se submeteram a serviços desumanos e degradantes. Vistos ainda como escravos, recebiam baixos salários e nenhuma possibilidade de recomeçar genuinamente libertos. O racismo se fortaleceu, como se junto à “liberdade” conquistada, cada negro tivesse que carregar a condenação de para sempre ocupar posições de subalternidade.
Recentemente, um programa de televisão veiculou uma reportagem sobre a história de uma senhora submetida há mais de 50 anos de trabalhos escravos. Ela, com 89 anos, prestava serviços para uma família na região de Santos, em São Paulo. Como se não bastasse não receber salários, folgas e direitos trabalhistas, a idosa ainda era vítima de violência física e psicológica. O crime foi identificado por uma vizinha que, em razão da pandemia, começou a desempenhar suas atividades no formato home office, e percebeu os abusos sofridos pela idosa. A escravidão ultrapassou as barreiras das senzalas e encontrou espaço para sobreviver em prédios, casas e empresas.
É claro que a abolição da escravatura é um marco, um importante passo, fundamental para que esse regime fosse considerado atentatório à dignidade humana. No entanto, notamos apenas uma alteração no formato. O propósito de segregar e de usar o outro como uma mercadoria continua o mesmo para algumas pessoas. A verdade é que não temos nada a comemorar, enquanto o que estiver sendo extinto, seja o sonho dos milhares de trabalhadores resgatados em situação de escravidão no mesmo país em que eu e você vivemos.

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