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Moçambique: metade das pessoas vivendo com HIV interrompeu tratamento após ciclones

Por Andre

 

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Na noite de 28 de abril, o ciclone Kenneth entrou pela costa da província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, e destruiu a casa de Luísa Maio. Luísa, de 36 anos, vive em uma casa de palha e barro com o marido e o filho mais novo. A família, que já tinha dificuldades para se alimentar, teve a situação agravada depois que a tempestade arrasou os campos onde cultivava legumes.

A moçambicana e três de seus quatro filhos vivem com HIV. Preocupada em reconstruir a casa e encontrar o que comer, a família interrompeu o tratamento com medicamentos antirretrovirais.

O mesmo ocorreu com outros moçambicanos vivendo com HIV em locais atingidos pelos ciclones Kenneth e Idai. Segundo uma análise do Ministério da Saúde do país, apoiada pelas Nações Unidas, houve uma queda de 50% no número de consultas de acompanhamento para o vírus. O número de pessoas em tratamento também caiu para cerca de metade.

Acompanhamento

Quatro semanas depois do ciclone, Luísa e a família receberam a visita de Melita Baka, uma ativista comunitária de iniciativa apoiada pela ONU e pela Fundação Ariel Glaser. A agente comunitária e suas colegas visitam casas de pessoas que vivem com HIV, explicando a importância de fazer diagnóstico e seguir um tratamento.

Melita acompanha Luísa e os filhos há vários anos. Luísa explicou que não estava tomando a medicação, que tinha perdido o cartão de identificação do hospital e que estava ocupada tentando sobreviver.

“Tivemos muitas dificuldades no campo porque, para muitos pacientes, a prioridade era procurar alimentação e abrigo, não tratamento (…). Muitos tiveram que mudar de casa, uns reiniciaram (o tratamento), outros não.”

Melita ajudou Luísa e a família a retomar a medicação. Alguns meses depois, no entanto, Anísio, o filho de 10 anos, teve efeitos colaterais. O menino estava subnutrido e quando, tomava os antirretrovirais, ficava com os lábios inchados.

Mesmo antes dos desastres naturais, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) estimou que 80% dos moçambicanos não conseguiam ter uma dieta adequada. Em julho, a agência informou que 1,9 milhão de afetados pelos ciclones enfrentam possibilidade de insegurança alimentar caso não tenham acesso a ajuda humanitária.

Epidemia

A diretora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) em Moçambique, Eva Kiwango, disse que o país “tem uma epidemia generalizada de HIV”. Segundo os últimos dados da agência, 2,2 milhões de pessoas no país vivem com o vírus, mais de 7,4% da população.

Em 2018, foram registradas cerca de 150 mil novas infecções e 54 mil mortes, o que provocou uma queda na expectativa média de vida para 53,7 anos. Eva Kiwango disse que o maior desafio é interromper as novas infecções, com uma aposta muito forte na prevenção.


Em Macomia, Luísa descobriu que vivia com o vírus há apenas quatro anos. A moçambicana foi mãe aos 13. Em 2015, dois de seus filhos adultos receberam um diagnóstico positivo e ela decidiu fazer o teste. O filho mais novo, Anísio, já tinha sido infectado durante a gravidez ou parto. No país, o vírus já deixou 1,1 milhão de crianças órfãs.

O Estado moçambicano oferece os medicamentos antirretrovirais, mas mesmo assim existem dificuldades em sua implementação. Apenas 56% das pessoas com diagnóstico positivo tomam os medicamentos. A taxa é ligeiramente mais alta entre as crianças, cerca de 60%. Somente 68% das pessoas que iniciam o tratamento continuam seguindo o plano um ano depois.

Infraestrutura

A poucos quilômetros da casa de Luísa, no topo de uma colina, fica o hospital de Macomia. Para chegar lá, é preciso subir uma estrada que ficou danificada pelo ciclone. Grandes árvores foram arrancadas do chão pela força da tempestade e tombaram nas ruas. Santinho Carvalho é o diretor da unidade de saúde e responsável pelo acompanhamento dos pacientes que vivem com HIV.

“O hospital sofreu danos muito grandes, a começar pela maternidade do centro de saúde, que ficou toda sem o teto. Tivemos danos no bloco do laboratório, mas também onde funcionavam as consultas de doenças crônicas, principalmente para o HIV, onde o teto ficou completamente danificado.”

O especialista declarou que não houve aumento substancial das novas infecções por HIV, mas que “interromper os tratamentos permite o regresso de doenças oportunistas e aumenta as taxas de transmissão”.

No quinto mês após o desastre natural, o hospital continua danificado. As consultas são realizadas em tendas oferecidas pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Outras agências, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), têm contribuído com material médico ou acompanhamento técnico.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que levará cinco anos para recuperar toda a infraestrutura de saúde danificada. Durante os dois ciclones, 113 unidades de saúde foram parciais ou totalmente danificadas, incluindo equipamento, mobiliário, medicamentos essenciais e produtos.

A coordenadora-residente da ONU em Moçambique, Myrta Kaulard, afirmou que, em um desastre natural, as pessoas mais vulneráveis sofrem sempre os piores impactos. Segundo ela, estas pessoas podem pessoas com deficiência, idosos ou pessoas vivendo com HIV.

Segundo a diretora do UNAIDS em Moçambique, o governo do país está empenhado com o fim da epidemia. Segundo ela, existe liderança, força e compromisso com políticas progressivas com o objetivo de alcançar os objetivos até 2020.

Eva Kiwango lembrou que Moçambique é um dos poucos países em África onde os trabalhadores sexuais e os homens que fazem sexo com homens não são criminalizados.

Apesar disso, afirmou que ainda é necessário resolver o problema do estigma e da discriminação contra pessoas que vivem com HIV, para garantir que ninguém seja deixado para trás.

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