SUL FLUMINENSE
A nota técnica “Oportunidades e desafios para reúso de água na indústria do Rio de Janeiro”, elaborada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em conjunto com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada nesta semana revela que o estado do Rio apresenta grande potencial de utilização de água de reúso para fins industriais, a partir das suas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE).
O documento faz um mapeamento das oportunidades, avaliando a localização e as condições de operação das ETE do estado e as demandas industriais existentes no seu entorno. De acordo com a nota, as oportunidades se concentram, principalmente, na Região Metropolitana, como nas proximidades das ETE de alta vazão Sarapuí (Belford Roxo), Pavuna (Rio de Janeiro), Deodoro (Rio de Janeiro), Jardim Gramacho (Duque de Caxias) e Jardim Catarina (São Gonçalo). No Sul Fluminense, destaca-se ainda o entorno das ETE Engenheiro Gil Portugal (Volta Redonda) e Alegria (Resende).
A maior utilização de águas residuais pela indústria é ainda um método pouco explorado no país, sendo um dos pontos priorizados no Mapa de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro 2016-2025. Em São Paulo, existe um caso de sucesso, com o projeto Aquapolo, que disponibiliza cerca de 1 metro cúbico por segundo (m³/s) de água de reuso para o Polo Petroquímico do ABC. A empresa parceria do projeto paulista vê potencial para aplicação da ideia no Rio. “Atualmente, nossas fábricas situadas no Polo consomem cerca de 65% da água de reuso, o que permitiu a continuidade normal da produção durante a crise hídrica do Sudeste brasileiro em 2015. Isso poupou a empresa de sofrer com perdas financeiras de mais de R$ 200 milhões. O projeto é altamente replicável e temos estudado aplicações similares em outras unidades da empresa, inclusive no Rio”, afirma André Ramalho, o especialista de Sustentabilidade da empresa.
BENEFÍCIOS
Para Isaque Ouverney, analista de Estudos Econômicos da Firjan, todos têm a ganhar com a alternativa. “A utilização da água de reuso garante segurança hídrica para as indústrias e alivia a pressão nos mananciais que abastecem a população. Também beneficia as concessionárias de serviços de esgotamento sanitário, porque é uma oportunidade de negócios”, destaca.
Marcos Asseburg, diretor da área de Novas Fontes da BRK Ambiental, destaca ainda que a proposta permite uma previsibilidade de custos, redução em manutenção e até mesmo de índices de acidentes. “Pode parecer estranho, mas como a qualidade da água de reúso é definida pelo cliente industrial, ela possui uma qualidade superior à água potável para processos industriais, o que reduz a necessidade de manutenções e consequentemente seus custos e acidentes”, explica. O estudo também aponta que há muitas estações que não estão localizadas em áreas com alta demanda industrial, mas que, por conta de seu potencial de produção de água de reúso, podem abastecer futuras demandas industriais.
RECURSOS ESCASSOS
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), a população mundial pode exceder os 9 bilhões em 2050, com a população urbana passando de 3,4 para 6,4 bilhões. Caso esse crescimento não seja acompanhado por investimentos em saneamento, haverá a escalada do número de pessoas vulneráveis aos impactos da baixa qualidade da prestação de seus serviços, especialmente abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto.
Em 2017, 17% da população brasileira não era atendida com abastecimento de água, 36% não contava com coleta de esgoto e mais da metade (52%) do esgoto produzido não era tratado. O quadro também é grave no estado do Rio de Janeiro, onde 8% dos cidadãos não possuíam acesso à rede de abastecimento de água e 32% não contavam com coleta de esgoto. Além disso, 64% do esgoto produzido não era tratado.
Estudo realizado pela Firjan aponta que a maior participação da iniciativa privada no setor poderia destravar R$ 7,6 bilhões em investimentos no setor, beneficiando 4,8 milhões de habitantes fluminenses. Nesse cenário, fontes alternativas para o abastecimento de água são fundamentais para garantia de sua disponibilidade a longo prazo, sobretudo para a indústria, que a utiliza como insumo em diversos processos produtivos. Apesar disso, o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2017 destaca que a água de reuso ainda é um recurso negligenciado pelos usuários, legislação e regulamentação de muitos países.
No Brasil, o abastecimento industrial com água de reuso a partir da operação de Estações de Tratamento de Esgoto também é uma realidade pouco explorada. Ainda assim, o bem sucedido projeto do Aquapolo, em São Paulo, disponibiliza cerca de 1 m³/s de água de reúso para o Polo Petroquímico do ABC, a mais de 17 km de distância da ETE de origem, sendo o maior empreendimento de água de reúso industrial da América Latina. Essa iniciativa pode gerar benefícios para toda a sociedade como aumento da segurança hídrica e menor pressão sobre os mananciais que abastecem a população. Nesse sentido, esta nota técnica visa apresentar um conjunto de ETE com viabilidade para fornecimento de água de reuso, no estado do Rio de Janeiro.
METODOLOGIA
Para mapeamento das oportunidades, este estudo faz uma avaliação da localização e condições de operação das ETE no estado, localiza as demandas industriais e apresenta possibilidades de oferta de água residual para a indústria. De acordo com registros de órgãos estaduais e da Agência Nacional de Águas (ANA), o Rio de Janeiro conta com 361 outorgas de captação subterrâneas e superficiais para o setor industrial (224 concedidas pelo Instituto Estadual do Ambiente e 137 pela ANA), com vazão total de 15.793 litros por segundo (l/s). Em análise dos 92 municípios, 52 possuem algum registro de outorga de captação industrial.
O estudo mostra os dez municípios com maiores vazões outorgadas para a indústria e o número de outorgas concedidas. Consta também a razão vazão outorgada/número de outorgas (ΣQ/n° de outorgas), que representa a vazão média por outorga e indica, de modo geral, a dispersão das vazões demandadas dentro dos municípios. Volta Redonda destaca-se por concentrar 39% de toda vazão outorgada do estado. Dos 6.146 l/s outorgados no município, 6140 l/s são referentes à outorga federal da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
A caracterização dos sistemas de tratamento de esgotos já existentes e georreferenciamento das plantas, além das potenciais ofertas de esgoto, foi feita a partir de dados sobre ETE existentes fornecidos pela ANA, Cedae e Grupo Águas do Brasil. Foram analisadas informações de processo de tratamento, vazões e localização de cada planta.
ANÁLISE ESTADUAL
Foram analisadas todas as ETE do estado. O panorama geral é de que as ETEs que concentram as maiores vazões em seus entornos possuem baixas capacidades. As seis maiores vazões industriais outorgadas no entorno estão em Volta Redonda, justamente por conta das outorgas da CSN (6.480 l/s) e da Saint-Gobain, em Barra Mansa (139 l/s). Vale destacar a ETE Engenheiro Gil Portugal (Volta Redonda), a qual possui Qr de 140 l/s e processo de lodos ativados, apresenta importante potencial para fornecimento de efluente tratado para produção de água de reúso.
Outras ETE que apresentam relevância na região é a ETE Alegria (Resende), que fica próxima a outorgas razoavelmente expressivas: Spice Indústria Química (112 l/s), Votorantim Siderurgia (111 l/s), Michelin (56 l/s) e Pernod Ricard (52 l/s).
As demais ETE possuem vazões industriais outorgadas no entorno expressivas, mas baixas capacidades. Ao mesmo tempo, muitas plantas estão localizadas em municípios com índice de tratamento de esgoto inferior a 25% (Volta Redonda, Macaé e Nova Iguaçu), de 40 a 60% (Rio de Janeiro) e de 60 a 80% (Resende e Campo dos Goytacazes). Ou seja, o planejamento da futura e necessária expansão da infraestrutura de tratamento de esgotos nesses municípios pode ser balizada por, entre outras variáveis, demandas industriais detectadas e passíveis de atendimento por água de reúso não potável.